

Dossier Técnico
Publicado em Edição 13
O Seguro de Riscos Catastróficos em Espanha
O princípio básico do sistema espanhol do seguro de riscos extraordinários é a obrigatoriedade de incluir a cobertura de uma série de riscos designados como extrordinários nas apólices de seguro contratadas em Espanha, no caso da maioria dos seguros de bens(1) e em todos os seguros de vida e acidentes.
Os riscos extraordinários englobam os produzidos pela natureza (inundações, terramotos, ventos fortes, etc) e os de origem humana (atos terroristas, rebelião, motim, etc.
O cumprimento obrigatório desta inclusão, de todos ou parte desses riscos, pode fazer‑se diretamente pelas seguradoras da apólice original. Não se fazendo assim, como sucede na grande maioria dos casos, a cobertura é assumida automaticamente e de forma complementar pelo CCS.
O CCS constitui, portanto, uma seguradora que garante exclusivamente bens e pessoas previamente segurados.
Em finais de 2018, o seguro de riscos extraordinários abrangia quase 130 milhões de apólices em todo o mercado espanhol: 59.2 milhões de apólices vida e acidentes, 53.7 milhões de apólices sobre bens e 5.7 milhões de apólices sobre perdas de exploração. No total, o capital seguro em 2018 excedeu os 17 mil milhões de euros, distribuídos em 65% para Vida, cerca de 33% para Seguros Patrimoniais (5.7 milhões de euros) e cerca de 2% para Perdas de Exploração.
O sistema espanhol de seguro de riscos catastróficos face às alterações climáticas
Se considerarmos as perdas em todas as linhas de negócio durante os últimos 30 anos, o risco recorrente e com perdas de valor mais elevado são as inundações, que representam cerca de 69% do total indemnizado. Segue‑se‑lhe o vento, representando 17% e em terceiro os terramotos, com 7% do total.
O vento começa a surgir com importância crescente no século XXI. No ano de 2009 pode apreciar‑se a grande proporção de danos causados pelo vento, resultantes principalmente da passagem da tempestade Klaus pela Península Ibérica, que, com mais de 275.000 reclamações, ainda é o evento com maior número de sinistros na história do seguro de riscos extraordinários. A incluir os dados de 2019 (ainda por consolidar) veríamos que o peso das inundações neste ano foi extraordinário, aproximando‑se aos 700 milhões de euros, dos quais mais de 500 correspondem às inundações.
Com esta grande quantidade de dados disponíveis, faria sentido perguntar se é possível chegar a algumas conclusões sobre as tendências nas últimas décadas dos pagamentos de indemnizações por catástrofes, em particular as de origem hidro‑meteorologica (inundações e ventos fortes) cuja maior frequência permite o tratamento estatístico. A primeira coisa a fazer é recordar o número de apólices que incluem o seguro de riscos extraordinários, número que praticamente se multiplicou por 6. Logicamente, o número de reclamações ao abrigo deste seguro teria aumentado na mesma proporção. De facto, eliminando o efeito da inflação, o montante total indemnizado no mesmo período apenas duplicou.
Isto pode ter duas explicações separadas ou compreender‑se através de uma combinação das duas. Por um lado, existem claras melhorias na gestão de riscos, sobretudo na capacidade de previsão, quer meteorológica quer hidrológica, assim como na gestão das situações de risco, tanto por quem gere as bacias hidrográficas como da parte da Proteção Civil. Naturalmente, existe também maior consciencialização por parte dos segurados. A outra explicação possível tem a ver com a universalização do seguro em Espanha e o facto de que, há algumas décadas, só se seguravam os bens de maior valor, enquanto na atualidade o seguro inclui a maior parte dos segmentos socio‑economicos, garantindo portanto, riscos de menor valor.
Sensível também às alterações climáticas é o seguro agrícola combinado (Seguro Agrario Combinado) que, atualmente, garante a quase totalidade das atividades de cultivo e produção pecuária face a uma grande variedade de riscos. A Agroseguro é gestora de um pool de entidades seguradoras em que o Consorcio de Compensación de Seguros participa com 10% do risco2. Além disso, é o ressegurador do sistema.
Por outro lado, Espanha é um país com uma enorme diversidade climática. Quando apreciamos os impactos destas alterações climáticas convém distinguir entre os riscos de natureza hidro‑meteorologica (precipitação intensa, incluindo granizo, inundações, ventos fortes) e os de natureza climatológica (ondas de frio e calor, secas, incêndios florestais). Naturalmente, os efeitos das alterações climáticas afetam ambos, mas de modo diferente. Na atualidade, pode constatar‑se um aumento claro das temperaturas médias que se pode estimar, na área mediterrânea, na ordem dos 1,4° C acima do nível pre‑industrial. Este aumento produziu uma alteração evidente no número de dias de geada e na intensidade, frequência e duração de ondas de calor, assim como uma extensão de 10 a 15 dias por ano daquilo que se considera verão, do ponto de vista térmico. Quanto à precipitação, e ao encontrarmo‑nos em geral num ambiente mediterrânico em que esta se caracteriza precisamente pela sua irregularidade intrínseca, é mais difícil ser conclusivo, embora a impressão geral seja que cada vez chove “pior”: aumenta o número de dias secos e, quando chove, a chuva cai de forma mais torrencial. Ou seja, é mais difícil extrair conclusões e efetuar previsões dos riscos hidro‑meteorologicos do que para os climatológicos, cujos efeitos, como secas e incêndios florestais, se manifestam com crescente intensidade na Península Ibérica. Voltando ao sistema segurador, e às coberturas disponíveis, o seguro de riscos extraordinários cobre riscos hidro‑meteorologicos enquanto o seguro agrícola combinado cobre tanto os riscos hidro‑meteorologicos como os climatológicos. 2017 e 2018 foram os dois primeiros anos consecutivos com resultados negativos para o seguro agrícola nos quais o resseguro do CCS teve de estabilizar o balanço. Naturalmente ainda seria muito precipitado relacionar inequivocamente este facto com as alterações climáticas, mas pode ver‑se aqui um indício.
À laia de conclusão
O seguro é um mecanismo de transferência de risco e o risco é o resultado da agregação da perigosidade, exposição e vulnerabilidade. Tudo indica que, em consequência das alterações climáticas, na maior parte dos casos essas ameaças vão aumentar: maior intensidade e irregularidade da precipitação, o que elevará o risco de inundação, especialmente resultante de trovoadas e inundações causadas por chuva; subida do nível do mar, que elevará o risco de inundações costeiras; subida das temperaturas, que aumentará o risco de seca e de incêndios florestais, com implicações específicas para o seguro agrícola. Espanha dispõe de sistemas de seguros flexíveis, que têm em conta todos os stakeholders e que já demonstraram ter a capacidade de dar resposta a circunstâncias climáticas muito distintas entre si. Em particular, o seguro de riscos extraordinários, ao abranger o conjunto de capitais seguros de todo o país, permite que o aumento potencial da sinistralidade se distribua de forma a não comprometer a possibilidade de aceder ao seguro por parte daqueles que são mais vulneráveis. Aqui, a palavra “compensação”, que faz parte da denominação do CCS, adquire pleno significado. Uma só empresa pública, o Consorcio, complementando todo o setor privado, constitui um pool para riscos difíceis e segura‑os de forma conjunta. Este sistema, dada a sua configuração, tem uma capacidade muito grande de absorver aumentos na perigosidade e, além disso, é suficientemente flexível para modificar coberturas, limites ou sobretaxas quando necessário. Não obstante, como já vimos nas tendências de sinistralidade, para garantir a sustentabilidade a longo prazo do seguro de riscos extraordinários e, talvez ainda mais importante, do seguro agrícola combinado, é imprescindível trabalhar na redução da vulnerabilidade e exposição ao risco. Para tal, o CCS trabalha com as instituições nacionais que identificam e gerem estes riscos e, cada vez mais consciente da sua função na cadeia de gestão do risco, concentra‑se de forma mais proativa no seu controlo e mitigação.
1 Excluem-se as apólices de seguro agrícola, as de veículos não terrestres, as de transporte de mercadorias e as de construção e montagem (art.º 4.º do regulamento de seguros extraordinários - - Reglamento del Seguro de Riesgos Extraordinarios).
2 Nos primeiros tempos do sistema e até este se consolidar, a participação percentual do CCS neste quadro era muito maior
O Consorcio de Compensación de Seguros Concebido originalmente como instrumento provisório de financiamento a posteriori dos danos causados pela Guerra Civil Espanhola, em 1954 tomou‑se a decisão de o transformar numa instituição de caráter permanente que servisse para compensar os danos originados por uma série de riscos extraordinários através de um mecanismo de financiamento ex ante. Desde logo assumiu outras funções relacionadas com os seguros. Hoje, o CCS é um instrumento multifuncional ao serviço do setor segurador espanhol, do qual faz parte, com uma pluralidade de funções seguradoras e não seguradoras, entre as quais surgem o seguro de riscos extraordinários, funções relacionadas com o seguro automóvel obrigatório, o seu papel no seguro agrícola combinado ou a liquidação de entidades seguradoras, entre outras. Noutros países, estas funções são desempenhadas por soluções de mercado ou instituições públicas ou privadas específicas, mas o caso espanhol é singular, porque uma única entidade reúne todas essas funções, com uma equipa de cerca de 300 colaboradores.