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Seguros nos ombros de gigantes

É com enorme alegria e orgulho que, em nome da insurtech de cuja equipa faço parte - a RandTech Computing - inauguro, na Extra Cover, esta coluna, dedicada à interseção da tecnologia com o setor segurador. Como insurtech, esse é o ponto ótimo onde nos encontramos, justamente. O nosso objetivo, com este espaço, será abrir ou continuar discussões que são (ou podem vir a tornar-se) relevantes, no cruzamento destas duas dimensões.

Créditos: Museu Virtual do Seguro.

E talvez começássemos por reconhecer que Portugal tem feito profundos esforços para tentar suprir o hiato tecnológico que, durante muitos anos, nos alienou do resto do mundo. Na sequência há, inclusive, algumas conquistas interessantes, mesmo quando pensadas internacionalmente. Contudo, este desenvolvimento não ocorre, obviamente, em bloco. Há áreas que se têm digitalizado mais rapidamente do que outras. E uma das áreas que ainda tem muito a explorar na tecnologia, é justamente a dos seguros.

Ora quando se pensa em tecnologia, pensa-se normalmente em olhar para o futuro. Mas, como disse Newton (citando Bernardo de Chartres), se vislumbramos mais longe é porque estamos assentes nos ombros de gigantes. Por isso, dificilmente podemos pensar o futuro sem ter consciência do passado. E, contrastando com o presente, no passado da atividade seguradora, Portugal foi claramente pioneiro.

Nada do que hoje se possa dizer sobre a Expansão Portuguesa teria sido possível sem o respaldo da atividade seguradora que, ainda que comparativamente incipiente, protegia armadores e mercadores face a viagens longas e cheias de perigos, em que avultados investimentos se podiam perder, pelas mais diversas razões (intempéries marítimas, pirataria, motins, arrestos em portos, etc.). Não é por acaso que a atividade seguradora ainda guarda memória destes tempos mais «náuticos», no seu vocabulário técnico (sinistros, salvados, etc.) e que aquele que é tido como o primeiro contrato de seguro propriamente dito, celebrado em Génova, em 1347, fosse justamente relativo a transporte marítimo.

Ora a atividade seguradora, por sua vez, jamais se teria desenvolvido sem a publicação do “Tractatus Perutilis et Quotidianus de Assecurationibus et Sponsionibus Mercatorum“ ou “Tratado Útil e Quotidiano sobre Seguros e Contratos de Mercadores”, da autoria de Pedro Santarém, um Cristão-Novo destacado como Cônsul, para Florença, Pisa e Livorno, em representação de D. Manuel I. A obra, escrita, provavelmente, em 1488, só viu a luz do dia em 1552, em Veneza - mas rapidamente se tornou uma referência mundial para o sector e assim permaneceu durante séculos, dado que compilava todo o conhecimento científico e técnico da área dos seguros, à época.

Contudo, e como já é, infelizmente habitual, em Portugal, a obra só será editada, pela primeira vez, em 1958 - ou seja, 406 anos depois - fazendo jus ao ditado que diz que “santos da casa não fazem milagres”. Aliás, Pedro Santarém, eminente jurista, terá escrito vários tratados, mas este, é o único que sobreviveu - demonstrando o quanto temos de melhorar, em termos do tratamento da nossa herança intelectual. Sintomaticamente, a obra não está presente no espólio da Biblioteca Nacional (salve-se, contudo, que esteja disponível para consulta, na biblioteca da ASF).

Como vemos, o hiato, em termos técnicos, científicos e tecnológicos vem de longa data. O nosso objetivo, enquanto insurtech, é justamente ajudar a suprir rapidamente a diferença entre o que as seguradoras desejam fazer e o que lhes podemos proporcionar, perante o que a tecnologia já permite. Mas fazemo-lo com a consciência da história, da dimensão, da importância deste sector - isto é, com profunda humildade, face aos que nos antecederam.

Fazer o levantamento destes contributos é fundamental, porque dá-nos perspetiva do que já se andou, para melhor compreender para onde se quer ir, a seguir, e dar alento para - à semelhança do próprio Pedro Santarém - ousar (ou não fosse a Audácia - essa ousadia salutar - um Valor RandTech Computing).

Celebrar os heróis da atividade contribui para a valorização desta, e coloca o sector na perceção e no discurso coletivo do país. E, nesse aspeto, faz sentido recuperar a discussão sobre o Dia Nacional do Seguro - um dia dedicado a celebrar o setor, as suas conquistas, os seus nomes - que, por exemplo, em Angola (o nosso mercado inaugural) acontece todos os anos, a 5 de Agosto.

Conforme nos expandimos geograficamente (e agora já estamos em Cabo Verde e em Portugal), não só levamos ao mundo o que de melhor se faz cá, como - à semelhança dos tempos da Expansão - trazemos o que melhor se faz no mundo para cá.

E até abrimos a discussão, propondo, em linha com o que foi dito acima, que seja 15 de Outubro, em virtude de ser esta a data em que, a 1529 - isto é, entre a composição e a publicação original do tratado de Pedro Santarém - D. João III cria o cargo de escrivão de seguros.

Façamos então rumo ao melhor do futuro, juntos, guiados pelos que nos antecederam.

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AUTORES

João Barbosa

João Barbosa

- RandTech Computing

João Barbosa é licenciado em Comunicação Empresarial pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto. É Responsável de Comunicação, Marketing e Estratégia Digital da RandTech Computing e um entusiasta pelas várias vertentes da Comunicação, seja a comunicação digital, a comunicação não-verbal, a comunicação interna, o branding ou a comunicação política. É apaixonado pelas artes plásticas, pela música e pela literatura, pela ciência e pela tecnologia, pela história, pela filosofia e pela política, com o gosto pela musculação.