E talvez começássemos por reconhecer que Portugal tem feito profundos esforços para tentar suprir o hiato tecnológico que, durante muitos anos, nos alienou do resto do mundo. Na sequência há, inclusive, algumas conquistas interessantes, mesmo quando pensadas internacionalmente. Contudo, este desenvolvimento não ocorre, obviamente, em bloco. Há áreas que se têm digitalizado mais rapidamente do que outras. E uma das áreas que ainda tem muito a explorar na tecnologia, é justamente a dos seguros.
Ora quando se pensa em tecnologia, pensa-se normalmente em olhar para o futuro. Mas, como disse Newton (citando Bernardo de Chartres), se vislumbramos mais longe é porque estamos assentes nos ombros de gigantes. Por isso, dificilmente podemos pensar o futuro sem ter consciência do passado. E, contrastando com o presente, no passado da atividade seguradora, Portugal foi claramente pioneiro.
Nada do que hoje se possa dizer sobre a Expansão Portuguesa teria sido possível sem o respaldo da atividade seguradora que, ainda que comparativamente incipiente, protegia armadores e mercadores face a viagens longas e cheias de perigos, em que avultados investimentos se podiam perder, pelas mais diversas razões (intempéries marítimas, pirataria, motins, arrestos em portos, etc.). Não é por acaso que a atividade seguradora ainda guarda memória destes tempos mais «náuticos», no seu vocabulário técnico (sinistros, salvados, etc.) e que aquele que é tido como o primeiro contrato de seguro propriamente dito, celebrado em Génova, em 1347, fosse justamente relativo a transporte marítimo.
Ora a atividade seguradora, por sua vez, jamais se teria desenvolvido sem a publicação do “Tractatus Perutilis et Quotidianus de Assecurationibus et Sponsionibus Mercatorum“ ou “Tratado Útil e Quotidiano sobre Seguros e Contratos de Mercadores”, da autoria de Pedro Santarém, um Cristão-Novo destacado como Cônsul, para Florença, Pisa e Livorno, em representação de D. Manuel I. A obra, escrita, provavelmente, em 1488, só viu a luz do dia em 1552, em Veneza - mas rapidamente se tornou uma referência mundial para o sector e assim permaneceu durante séculos, dado que compilava todo o conhecimento científico e técnico da área dos seguros, à época.
Contudo, e como já é, infelizmente habitual, em Portugal, a obra só será editada, pela primeira vez, em 1958 - ou seja, 406 anos depois - fazendo jus ao ditado que diz que “santos da casa não fazem milagres”. Aliás, Pedro Santarém, eminente jurista, terá escrito vários tratados, mas este, é o único que sobreviveu - demonstrando o quanto temos de melhorar, em termos do tratamento da nossa herança intelectual. Sintomaticamente, a obra não está presente no espólio da Biblioteca Nacional (salve-se, contudo, que esteja disponível para consulta, na biblioteca da ASF).