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Seguros ligados a fundos de investimento - uma história de sucesso

No artigo exclusivo para FULLCOVER digital, João Espanha sócio fundador da Espanha & Associados, fala-nos dos seguros Unit-Linked, que em 2021 tiveram um aumento de 18,7% e representavam 31,4% da carteira de investimentos dos seguradores em Portugal.

Hoje em dia, toda a gente sabe o que são seguros ligados a fundos de investimento. Para aqueles que ainda não tomaram conhecimento deste importante produto, falamos de seguros de capitalização vida, cujo capital seguro é o valor (variável) de um portefólio de ativos subjacentes, sendo tal soma representada por unidades virtuais de valor.

Na 12.ª edição da FULLCOVER, dedicámos um dossier a este produto, que abrangia várias perspetivas: Investimento flexível, Solução flexível e transparente; Solução de estruturação patrimonial e mais ainda. Não as percorreremos todas; o objetivo do presente artigo é somente destacar o sucesso deste produto no mercado português, impulsionado sobretudo pela sua eficiência fiscal.

 

1. Aspetos Gerais e Legais

O seguro de vida em Portugal beneficia de um quadro fiscal e legal estável e de longa duração (o que é invulgar, para os padrões portugueses).

Apesar das mudanças relativamente recentes no regime do contrato de seguro (publicação do Regime Geral em 2008) as principais regras não mudam desde meados do século passado — a sua origem pode ser identificada no Código Comercial de 1888. Da mesma forma, o regime fiscal do seguro de vida, no que toca à tributação de pessoas singulares, permanece virtualmente inalterado desde 1992.

O mercado português de seguro de vida é relativamente limitado. Uma vez que a maior parte da população possui pouca ou nenhuma propensão para a poupança, poucos são os que voluntariamente adquirem seguros de vida, seja para simples cobertura do risco de morte, a favor de terceiros, ou para efeitos de poupança. A maior quota-parte cabe ao seguro de vida relacionado com empréstimo para aquisição de casa própria, normalmente exigido pelas instituições de crédito para que seja concedido o empréstimo.

Contudo, existe um mercado interessante para o seguro de capitalização/poupança. O seguro ligado a fundos e produtos de investimento ainda está disponível e é muito procurado por dois grandes grupos de tomadores de seguro:

    a)   Pessoas que constituem poupanças pequenas e médias, adquirindo produtos cujos ativos de investimento são selecionados pelas seguradoras (disponibilizando carteiras diferentes segundo a opção de risco e/ou perfil de investimento do tomador da apólice);      

    b)   Pessoas com elevado património líquido que procuram soluções personalizadas, tipicamente oferecidas por seguradoras não-residentes a operar em Portugal ao abrigo do regime de livre prestação de serviços.     

Do ponto de vista legal, sem prejuízo da segurança decorrente do facto de existir um privilégio creditório estabelecido a favor dos tomadores de seguro e de o capital seguro não poder ser executado, é importante lembrar que um seguro ligado a produtos de investimento oferece enorme flexibilidade e pode ser configurado de acordo com as intenções do tomador. Uma vez que o seguro é um contrato de Direito Privado, se as normas legais e regulamentares não forem violadas, o princípio de liberdade contratual assegura que as partes podem aí estabelecer tudo o que não for proibido.

Isto é verdade, nomeadamente no tocante à designação do beneficiário em caso de morte. A designação de beneficiários, bem como a distribuição do capital seguro entre eles, é inteiramente livre e pode ser alterada a qualquer momento. Só não é o caso quando:

    a)    O tomador de seguro renunciar expressamente ao direito de alterar e/ou revogar a cláusula respeitante ao(s) beneficiário(s);     

    b)   O seguro depender da sobrevivência do beneficiário (ou seja, que este esteja vivo à data do falecimento do segurado), se o beneficiário tiver aderido ao contrato.

2. Destaques da fiscalidade

Contudo, é do ponto de vista fiscal que os seguros desta natureza se apresentam como opção desejável, sendo o quadro fiscal a principal razão do seu sucesso.

  2.1. Impostos Indiretos

Há que notar que em Portugal não existe imposto geral sobre bens móveis.

Além disso, o Imposto do Selo não se aplica à própria apólice de seguro ou ao capital seguro (mais precisamente, à transferência económica de valor entre o tomador de seguro e o beneficiário), pelo que, no tocante ao seguro de vida, não há lugar a imposto sobre sucessões e doações.

   2.2. Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares

Quando se trata do IRS, as vantagens são mais evidentes.

De acordo com o disposto no art.º 5, alínea 3 do Código do IRS, o rendimento obtido com o seguro de vida é taxado da seguinte forma:

3 - Consideram-se ainda rendimentos de capitais: a diferença positiva entre os montantes pagos a título de resgate, adiantamento ou vencimento de seguros e operações do ramo «Vida» e os respectivos prémios pagos ou importâncias investidas (...) sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes, quando o montante dos prémios, importâncias ou contribuições pagos na primeira metade da vigência dos contratos representar pelo menos 35% da totalidade daqueles:

    a)   É  excluído da tributação um quinto do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem após cinco e antes de oito anos de vigência do contrato;

    b)   São excluídos da tributação três quintos do rendimento, se o resgate, adiantamento, remição ou outra forma de antecipação de disponibilidade, bem como o vencimento, ocorrerem depois dos primeiros oito anos de vigência do contrato.

Considerando que este tipo de rendimento (capital) se sujeita a tributação em sede de IRS à taxa especial e liberatória de 28%, então, se for respeitada a regra dos 35% acima referida:

    a)   Os resgates ou pagamentos em vida que ocorram após cinco anos e um dia a contar da data de vencimento do contrato sujeitam-se a uma taxa de 22,4%;

    b)   Os resgates ou pagamentos em vida que ocorram após oito anos e um dia a contar da data de vencimento do contrato sujeitam-se a uma taxa de IRS de 11,2%.

Mas, ainda que esta redução da carga fiscal não fosse suficiente, haveria mais para ter em conta.

Por causa do regime que acabamos de mencionar, é também uma grande vantagem o diferimento de obrigações fiscais relativo ao rendimento gerado ao abrigo do contrato de seguro. De facto, em comparação com outros tipos de investimento direto (sejam ações, obrigações, ou outros), o rendimento desses ativos, quando detido indiretamente através de um seguro, não é taxado quando distribuído, mas somente quando o tomador de seguro exerça o seu direito de resgate ou se realizar um pagamento de capital em vida.

Outra vantagem, menos evidente e por vezes ignorada, é o equilíbrio entre o possível saldo negativo nas mais e menos-valias e o rendimento do capital, possibilitado pelo facto de que os ativos que representam provisões matemáticas são propriedade da seguradora e não do tomador de seguro. Em Portugal, a compensação da diferença entre mais e menos-valias e rendimento de capital só se permite se o contribuinte decidir agregado optar pelo englobamento quanto a todos os seus ganhos de mais e menos-valias e rendimentos de capitais, o que só seria vantajoso em casos excecionais. De facto, o rendimento de capitais e o saldo entre as mais e menos-valias sujeitam-se a uma taxa autónoma de 28% ao passo que o valor agregado do rendimento pode sujeitar-se a taxas de 48% (com a taxa solidária adicional do IRS, aplicável aos rendimentos anuais a partir de 80,000 €, pode chegar-se a uma taxa marginal de 50,5% e, a partir de 250,000 € anuais, ascender a uns confiscatórios 53%!).

Se determinado tomador de seguro optar por colocar um portefólio de ativos financeiros no “envelope” de um seguro, todos os ganhos e perdas afetam, positiva ou negativamente, o valor do capital seguro mas, havendo variação positiva no saldo, esse saldo (i) é negativamente afetado pelas perdas em capital e (ii) só se tornará rendimento tributável à data de resgate, pagamento ou pagamento adiantado, permitindo a compensação efetiva entre os rendimentos de capitais e as mais e menos-valias.

Dado tudo o que se expôs acima, parece inevitável o sucesso dos seguros ligados a produtos de investimento no mercado português; não há outro produto financeiro que possa oferecer às pessoas com elevado património líquido um meio de lucrar com uma carteira de ativos que proporcione:

    a)   Uma redução significativa na taxa tributária,

    b)   Um diferimento de tributação para o momento de resgate ou pagamento em vida, e ainda

    c)   Uma compensação automática e eficaz da diferença entre rendimentos do capital e mais e menos-valias.

 

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AUTORES

João Espanha

João Espanha

Sócio fundador - Espanha e Associados

João Espanha é formado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi membro do Conselho Regional de Lisboa da Ordem de Advogados de 2002 a 2007. É árbitro em matéria fiscal no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD); membro do Conselho Supervisor do Banco de Negócios Internacional — Europa e membro do Conselho Supervisor da AIDA — Portugal.

João Espanha é advogado especialista em fiscalidade, inscrito na Ordem dos Advogados de Portugal. Foi reconhecido “líder em fiscalidade” pela Chambers & Partners, Legal 500 e outras publicações internacionais. Publicou vários artigos e estudos.

Sócio fundador de Espanha e Associados.