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Seguro marítimo e terrorismo

1. Introdução (1)

Felizmente, os atos de terrorismo não são muito frequentes. Também não são fáceis de prever e muita informação sobre os mesmos não é pública. Isso complica a vida das seguradoras, que necessitam de grandes números para poderem encontrar probabilidades, identificar o risco e, assim, calcular o prémio do seguro. Não sendo possível calcular probabilidades, as seguradoras resistem a cobrir o risco.

Porém, essa cobertura é desejável tendo em conta a dimensão do que pode estar em causa. Os danos produzidos podem estender-se por vários países e o perigo de utilização de armas de destruição maciça não pode ser ignorado. A utilização de navios para transportar essas armas ou como armas terá já sido pensada. A presença da Internet of Things no transporte marítimo tenderá a expandir-se e isso fará aumentar os ciberataques.

A globalização permitirá efetuar ataques em qualquer mar ou Oceano, mas certas zonas do Globo continuam a ser mais perigosas do que outras. As limitações contratuais através das cláusulas Navigation Limits serão mais facilmente aplicáveis com os meios de localização de navios e contentores já existentes.

2. A importância da definição de terrorismo

As definições de terrorismo variaram2, mas reconhece-se que não se confunde com a pirataria e o roubo. Os terroristas têm em mente objetivos que não são simples motivações privadas.

Também pode não ser fácil fazer a distinção entre ato de terrorismo e ato de guerra. A discussão sobre o sentido da palavra «guerra» é antiga no direito dos seguros e há cláusulas que excluem a cobertura em caso de guerra, mas não para atos de terrorismo.

A definição de terrorismo aplicável vai estabelecer o perímetro da cobertura. Se a lei aplicável ao contrato de seguro contiver a sua própria definição, podem surgir conflitos entre ambas.

O ciberterrorismo pode ser visto como uma modalidade de terrorismo. Já alguém o definiu como uma forma de terrorismo que usa a Internet como arma para atacar sistemas de computadores. Mas uma pen infetada pode servir.

3. Há mar e mar, há risco e risco

A importância económica do transporte marítimo torna-o alvo apetecível. Longas cadeias logísticas dificilmente conseguem evitar elos fracos. Um ataque terrorista num deles pode danificar muitos bens e causar lesões e/ou prejuízos a muitos sujeitos.

Os nexos causais nem sempre são claros. É expectável que um lesado procure estabelecer laços causais entre o ataque e consequências muito remotas, mas também as seguradoras poderão querer estender os nexos por muitos anos para poderem invocar cláusulas de exclusão.

Muitos poderão ser os demandados. Nomeadamente, em caso de ciberataque bem-sucedido. Mais difícil será obter indemnizações de terroristas ou das respetivas organizações.

O conflito entre uma Security Culture e uma Compliance Culture acabará por ter consequências quando o litígio surge. Antecipar e planear são palavras-chave que levarão as seguradoras a fazer muitas perguntas depois de um ataque.

4. Umas vezes há cobertura, outras não

O ataque às Torres Gémeas de 11 de setembro de 2001 trouxe consigo uma diferente leitura quanto ao risco de terrorismo e a sua cobertura pelas apólices. A partir daí, as exclusões tornaram-se a regra e receou-se o colapso do mercado3. Várias tentativas foram levadas a cabo para procurar que o mercado funcionasse novamente, com diferentes caminhos seguidos - v., p. ex., nos EUA, a TRIA; na França, v. o GAREAT.

A Institute Cargo Clauses (A) exclui a cobertura por perda, dano ou despesas causadas por qualquer ato de terrorismo ou por qualquer pessoa agindo por um motivo político. No entanto, a Institute Strikes Clauses (Cargo) 2009 dá cobertura a «loss or damage» causado por qualquer ato de terrorismo (Clause 1.2) e por qualquer pessoa atuando por um motivo político, ideológico ou religioso, embora com as limitações que resultam da Transit Clause (Clause 5). Rara parece ser a cobertura relativamente a ataques NCBR (Nuclear, Chemical, Biological and Radiological).

Os ciberataques também não ficam cobertos se for adotada a Cyber Exclusion and Write-Back Clause (CL437). Duas cláusulas da Lloyd’s Market Association são também importantes: a LMA 5402 Marine Cyber Exclusion e a LMA 5403 Marine Cyber Endorsement.

5. Para concluir.

A falta de oferta de cobertura pelas seguradoras pode ser enfrentada de várias formas (imposição legal, apoio estatal para cobertura, incentivos fiscais, fundos financiados pelas seguradoras ou/e por contribuições públicas, obrigações de catástrofe, cosseguro, reunião de duas ou mais das anteriores). Mas a intervenção estatal criará um estímulo para que a indústria não encontre alternativas.

Havendo cobertura, a discussão terá de se dirigir para outros problemas (limites para os prémios, exclusões, direito da seguradora de receber de volta parte do que pagou...). Seguros obrigatórios impostos às transportadoras podem ser uma alternativa.

A solução mais eficiente poderá ser a de formar pools de seguradoras e resseguradoras, eventualmente incluindo também outros interessados e os Estados, para estimular a disponibilização da cobertura. Os pagamentos às seguradoras seriam feitos após os ataques e mediante critérios objetivos.

O grande problema reside no carácter normalmente transnacional do terrorismo que tem o transporte marítimo por alvo. Soluções nacionais não resolvem tudo. Deveria ser pensada uma convenção internacional que criasse um Fundo a demandar em caso de sinistro se não houvesse cobertura por seguro ou que reembolsasse as seguradoras que cobriram o risco. Mas o tempo não está para multilateralismos.

1 Este texto constitui o fio condutor da conferência que proferimos no Congresso Novos Riscos, Novos Desafios (AIDA Portugal, 14 e 15.11.2024). É ainda uma síntese do que expusemos no texto «Transporte marítimo, terrorismo e seguro», in Maria João Antunes/Alexandre de Soveral Martins (coord.), Comemorando os 100 Anos das Regras de Haia, vol. 1, Instituto Jurídico/Faculdade de Direito/Universidade de Coimbra, Coimbra, 2022, p. 85-97.

2 Uma das mais importantes cláusulas-modelo para o transporte marítimo de mercadorias - Termination of Transit Clause (Terrorism) 2009 do Joint Cargo Committee da Lloyd’s Market Association – dá uma definição de terrorismo que inclui as atuações de «lobos solitários».

3 São expressões de Phillip Hesswege/Guido Rossi, «Maritime Risk Management: Marine Insurance, General Average, Sea Loan», in Phillip Hesswege/Guido Rossi (ed.), Maritime Risk Management, Duncker & Humblot, Berlin, 2021, p. 9-15, p. 11.

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AUTORES

Alexandre de Soveral Martins

Alexandre de Soveral Martins

Professor Associado - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Alexandre de Soveral Martins é Professor Associado com Agregação na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde também integra o Conselho Científico e o Conselho Pedagógico. Mestre e Doutor em Ciências Jurídico-Empresariais, é membro do Instituto Jurídico da mesma Faculdade.

É autor de vários livros sobre temas de direito das sociedades, do mercado de capitais e de direito da insolvência, bem como de dezenas artigos em revistas e obras coletivas que, para além das já referidas matérias, abordam assuntos de direito dos transportes, processo civil e penal, direito do consumo, direito bancário e arbitragem comercial.

É conferencista frequente em colóquios e congressos, em Portugal e no estrangeiro, e tem sido professor visitante em Cabo Verde, Angola, Timor-Leste e Moçambique (no âmbito de cursos de Mestrado ou Pós-graduações), tendo também realizado estadias de ensino em Itália (Sassari, Macerata) e na Dinamarca (Aarhus) no âmbito do programa Erasmus +.

Conta ainda com períodos de estudo realizados na Alemanha e em Espanha, além de ter coordenado diversos colóquios, conferências e cursos de pós-graduação.