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Seguro de crédito e riscos políticos
No mundo atual, a relevância do seguro de crédito é um tema incontroverso. Surgido no séc. XIX, este seguro tem por objeto, nos contratos em que se verifica uma dilação entre a prestação e a contraprestação – tipicamente, a venda a crédito, em que a entrega da mercadoria precede o pagamento do preço –, o risco de incumprimento de uma obrigação pecuniária (no exemplo dado, o risco de o comprador não vir a pagar o preço das mercadorias por si recebidas). A prestação do segurador visa, assim, indemnizar o credor pelo dano resultante desse incumprimento.
Progressivamente, houve uma autonomização entre o seguro de crédito, propriamente dito, e o seguro-caução. A distinção entre ambos é clara. Assim, o seguro de crédito é celebrado por conta própria, coincidindo o tomador do seguro com o segurado (credor da obrigação subjacente), e sendo o potencial causador do sinistro (devedor) um terceiro. Já o seguro-caução é um contrato celebrado por conta de outrem, em que o segurado (credor da obrigação subjacente) é um terceiro e o potencial causador do sinistro (devedor) é o próprio tomador do seguro.
Além do referido critério estrutural, outros permitem distinguir o seguro de crédito do seguro-caução. Assim, enquanto o seguro-caução tem por objeto apenas riscos comerciais (o incumprimento de uma obrigação contratual, imputável ao devedor), o seguro de crédito tem por objeto, para além daqueles, riscos heterogéneos e complexos – os chamados riscos extraordinários – que, sendo de ocorrência fortuita e independente da vontade do devedor, afetam ou impedem o cumprimento da obrigação subjacente ao seguro.
Entre esses riscos extraordinários, tipicamente cobertos pelo seguro de crédito, encontram-se os catastróficos (resultantes de causas naturais, como os terramotos, inundações, tempestades, etc.), os económicos e financeiros (os riscos cambiais, por exemplo), e os riscos políticos, que se prendem com decisões de entidades públicas.
Ora, uma das potencialidades económicas do seguro de crédito traduz-se na sua função de suporte às exportações. Com efeito, predominando no comércio internacional a venda a crédito, as empresas exportadoras ficam sujeitas a um risco muito significativo de que, tendo os importadores recebido as mercadorias, não venham a liquidar o preço no prazo acordado. O mesmo perigo se verifica na prestação de serviços a clientes internacionais, ou no investimento em países estrangeiros. Neste contexto, os riscos políticos assumem especial importância.
Há alguma imprecisão na expressão risco político. Como vimos, no seguro de crédito (e também no seguro-caução) o risco consiste na falta ou atraso no cumprimento de obrigações pecuniárias pelo respetivo devedor. Assim, o adjetivo político refere-se, não propriamente ao risco, mas às causas da verificação do risco ou, por outras palavras, aos factos geradores do sinistro. Desta forma, os riscos políticos são aqueles que se traduzem em decisões arbitrárias ou discriminatórias de um Estado estrangeiro, por parte das suas instâncias governamentais ou grupos políticos, que escapam ao controlo do devedor e do credor e que, afetando o contexto territorial e geopolítico em que se situa o devedor, obstam à satisfação do crédito objeto do seguro.
São múltiplos os exemplos de riscos políticos passíveis de cobertura pelo seguro de crédito. Entre eles, refira-se: a interferência do poder político nas transações comerciais; o cancelamento de licenças de exportação ou importação; o embargo às importações ou exportações (ou a sua proibição quanto a certos bens); a escassez de divisas na banca do país importador (retidas para a satisfação da dívida pública) ou a decisão de inconvertibilidade da moeda; a moratória decretada pelo poder político, isto é, a decisão estatal de suspender ou adiar o pagamento do preço dos bens importados; as decisões de nacionalização ou expropriação, incluindo o confisco e a requisição; o cancelamento de fronteiras; a violência política (guerra, insurreição, golpe de Estado, lei marcial, terrorismo, tumultos, distúrbios sociais, etc.); a instabilidade política; a aplicação de sanções internacionais, incluindo da União Europeia ou da ONU ao país importador; etc.
Inerentes ao seguro de crédito, os riscos políticos revestem-se, assim, de grande heterogeneidade, complexidade e imprevisibilidade, razão pela qual se impõe a necessária monitorização por parte dos seguradores, tendo associado um rating em função do país.
Em conclusão, a relevância dos riscos políticos no comércio internacional, pela sua incerteza e efeitos potencialmente gravosos, requer a necessária mitigação. Para tanto, o seguro de crédito constitui a solução mais eficaz e adequada, pelo menos no que respeita aos créditos de curto prazo (até um ano). Para os demais, onde os riscos políticos envolvem maior imprevisibilidade, a solução de cobertura passa frequentemente pelas export credit agencies, mecanismos de seguro público ou de garantia do Estado, que assim promovem o fomento das exportações.