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Segurar o ego

como o narcisismo ao nível das populações influencia a saúde pública e as iniciativas de saúde

Os estudos dados recentes mostram que o narcisismo ao nível das populações pode desempenhar um papel crucial nas estratégias e resultados de saúde pública, prometendo aumentar a eficácia das iniciativas de saúde adaptando-as a comunidades individuais, encorajando uma estratégia de promoção da saúde e de oferta de seguro mais personalizada e psicologicamente informada.

Imagine um mundo em que as iniciativas de saúde pública são feitas à medida do que é mais essencial na personalidade de cada um. Um mundo em que compreender características como o narcisismo, que é frequentemente descrito como simples arrogância ou egoísmo, se torna a chave que abre a porta a comunidades mais saudáveis. Este artigo dedica-se a descobertas científicas recentes que salientam como o narcisismo a nível populacional pode desempenhar um papel crucial na forma de tornarmos eficazes as estratégias de saúde pública e melhorar os seus resultados.

Narcisismo: um ativo potencial para a saúde pública

O narcisismo, comummente associado à arrogância e ao egocentrismo, encarna na verdade um espectro de traços de personalidade que vão muito além do ensimesmamento. Este complexo traço de personalidade também inclui elementos como a ambição, auto-confiança, e adaptabilidade — qualidades altamente valorizadas e não só no mundo laboral. O nosso estudo recente demonstra que os aspetos positivos do narcisismo poderiam influenciar significativamente os comportamentos e resultados de saúde, sugerindo uma relação muito mais complexa com a saúde pública do que se pensava.

A ideia principal é simples. O narcisismo leva os indivíduos ao desejo de se melhorarem e a darem atenção meticulosa tanto à aparência pessoal como ao sucesso. Este impulso pode manifestar-se em comportamentos que se alinham proximamente dos estilos de vida conscientes da saúde, como a atividade física regular e uma nutrição cuidada. Numa era em que a obesidade nos coloca um desafio social significativo, as nossas conclusões sugerem uma possibilidade intrigante: as populações mais narcisistas podem exibir taxas menos elevadas de obesidade, e talvez até resultados de saúde social mais positivos graças aos seus comportamentos proativos quanto à saúde.

Com base numa amostra grande e nacionalmente representativa de participantes oriundos de 38 estados dos EUA, descobrimos que os estados com níveis médios mais elevados de narcisismo demonstravam indicadores de saúde positivos de grande significado. Em particular, encontrava-se nesses estados uma incidência menor de obesidade, sugerindo um elo potencial entre os traços narcisistas e os comportamentos de gestão do peso corporal. Determinou-se ainda que a prevalência da depressão era notavelmente mais baixa nesses estados, remetendo-nos para a relação complexa entre características narcisistas, como a elevada auto-estima ou a resiliência, e a saúde mental. A análise também revelou menor incidência de mortes atribuídas a insuficiência cardíaca e hipertensão, indicando uma associação possível entre narcisismo e saúde cardíaca. Contudo, estes estados também demonstravam maior procura de cirurgia plástica e tendência para períodos de sono de menor duração, refletindo a natureza dual deste traço de personalidade nos comportamentos relacionados com a saúde.

Implicações na saúde pública

A nossa investigação mostra uma oportunidade muito interessante para as estratégias de saúde pública tirarem partido das características complexas do narcisismo. Traços como a ambição e a motivação para a auto-melhoria podem encorajar escolhas mais saudáveis. No entanto, é fundamental que as iniciativas de saúde pública encontrem o equilíbrio levando em conta os traços menos desejáveis do narcisismo, como a convicção de se ter direito a tratamento especial, e trabalhar no sentido de minimizar os efeitos negativos. Uma abordagem à medida que respeite a diversidade cultural e demográfica é essencial para assegurar programas de saúde acessíveis e relevantes a todos. Acrescente-se que, embora as vantagens imediatas dos traços positivos do narcisismo se mostrem promissoras, devemos ter o cuidado de não ignorar as potenciais desvantagens que podem emergir com o passar do tempo.

O nosso estudo sugere uma direção nova e promissora para as estratégias de saúde pública, que incorpora uma compreensão profunda da psicologia individual. Alinhando os esforços de promoção de saúde com as motivações intrínsecas dos traços de personalidade a nível populacional, as iniciativas de saúde pública poderiam ser muito mais atraentes e eficazes. Especificamente, podíamos alimentar ambientes que recompensassem os comportamentos pró-sociais e oferecer oportunidades de auto-melhoria que canalizassem os aspetos positivos do narcisismo para o bem comum. Esta abordagem torna necessário um esforço de investigação persistente e estratégias flexíveis para assegurar que as iniciativas de saúde pública evoluam a par e passo com o nosso entendimento crescente tanto da personalidade como da saúde.

 

Conclusão

Compreender o papel complexo do narcisismo na forma como influencia os comportamentos e resultados de saúde convida-nos a tecer perspetivas psicológicas mais profundas sobre os setores da saúde e do seguro. Esta abordagem promete aumentar a eficácia das iniciativas de saúde adaptando-as a comunidades individuais, encorajando uma estratégia mais personalizada e psicologicamente informada na promoção da saúde e ofertas de seguro. As  conclusões deste estudo mostram um caminho que leva a estratégias de saúde ilustrativas da natureza variada da personalidade humana e possivelmente a uma nova era para a saúde pública e bem-estar individual. A verdadeira questão será, pois: estamos preparados para abraçar a nossa personalidade na íntegra para criarmos comunidades mais vivas e saudáveis?

 

Referências

  • Gruda, D., Hanges, P., & McCleskey, J. (2024). Mirror, Mirror on the Wall, Who’s the Healthiest of them All - The Surprising Role of Narcissism in State-Level Health Outcomes. Journal of Research in Personality, 104465.
  • Gruda, D., & Hanges, P. (2023). Why We Follow Narcissistic Leaders. Harvard Business Review.
  • Gruda, D., Karanatsiou, D., Hanges, P., Golbeck, J., & Vakali, A. (2023). Don’t go chasing narcissists: A relational-based and multiverse perspective on leader narcissism and follower engagement using a machine learning approach. Personality and Social Psychology Bulletin, 49(7), 1130-1147.
  • Gruda, D., McCleskey, J., Karanatsiou, D., & Vakali, A. (2021). I'm simply the best, better than all the rest: Narcissistic leaders and corporate fundraising success. Personality and Individual Differences, 168, 110317.
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AUTORES

Jon Gruda

Jon Gruda

Professor Associado - Católica Porto Business School

Doutoramento em Gestão, pela Emlyon Business School, França.

Doutoramento em Psicologia, pela Goethe-Universität Frankfurt, Alemanha.

Com formação multidisciplinar em psicologia, neurociência e negócios, Jon Gruda explora a complexa interação entre liderança e personalidade.

Algumas das suas pesquisas, utilizando metodologias e tecnologias inovadoras como machine learning e inteligência artificial (IA), destacaram-se em importantes revistas académicas, incluindo Personality and Individual Differences e Harvard Business Review.