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Prevenção do branqueamento (de capitais): velhos hábitos, novas circunstâncias
O tema do branqueamento (de capitais) não é novo, mas ganhou inegável fulgor neste milénio. Seja pela profusão legislativa, seja pelas sanções aplicadas, seja pelo condicionamento dos agentes económicos em geral (e do setor financeiro, em sentido amplo, em especial), esta matéria é agora incontornável.
O contexto geopolítico europeu e mundial, por outro lado, funcionou como catalisador do apuramento dos processos de branqueamento e de combate ao branqueamento nos diversos blocos económicos, justificando – tal como a maior pressão regulatória – a crescente intrusividade verificada em atividades reguladas.
Em termos práticos, entendemos por branqueamento um ato ou conjunto de atos tendo em vista a utilização, dissimulação e ocultação das vantagens patrimoniais obtidas a partir da prática de alguns crimes (específicos). Também em termos práticos, entende-se por financiamento do terrorismo a recolha ou detenção de fundos (ou bens, produtos ou direitos suscetíveis de serem convertidos em fundos), com a intenção de serem utilizados, total ou parcialmente, no planeamento, na preparação ou para a prática de atos terroristas.
Assim, e porque a prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo tem sido moldada pelas várias diretivas comunitárias sobre a matéria, avaliada regularmente por delegações do GAFI aos vários níveis de intervenção (designadamente, nacional, setorial e de entidade obrigada) e, bem assim, na exata medida em que se pretende evitar a arbitragem regulatória, o fenómeno da prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo conhece hoje uma razoável padronização, esperando-se – em particular no setor financeiro em termos amplos, aqui se incluindo o setor segurador – níveis adequados de maturidade dos processos de compliance.
A circunstância de jurisdições e reguladores setoriais serem, eles próprios, sujeitos a avaliação – formal e de eficácia – em matéria de prevenção do branqueamento e do financiamento do terrorismo tem determinado a profusão de novos diplomas de caracter legal e regulamentar, muitos dos quais com requisitos acrescidos face aos tratados internacionais ou diretivas comunitárias de que emanam. Conceitos fundamentais como a definição de branqueamento, de pessoa politicamente exposta ou de pessoa estreitamente associada variam significativamente entre jurisdições. A atuação de autoridades e a própria intervenção de tribunais e órgãos de polícia criminal são completamente distintas, em função da jurisdição e do próprio setor a que respeitam.
Que esperar então, nos próximos tempos em matéria de prevenção do crime financeiro?
A União Europeia publicou recentemente um conjunto de iniciativas legislativas nesta matéria, designadamente: (i) o Regulamento (UE) 2024/1620 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de maio, que prevê a criação da Autoridade para o Combate ao Branqueamento de Capitais e ao Financiamento do Terrorismo (ACBC); (ii) o Regulamento (UE) 2024/1624, também do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de maio de 2024, dirigindo-se primacialmente à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo; e (iii) a Diretiva (UE) 2024/1640 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de maio de 2024, relativa aos mecanismos a criar pelos Estados-Membros para prevenir a utilização do sistema financeiro para efeitos de BC/FT.
A livre circulação de pessoas e capitais, conjugadao com a atribuição de licenças multijurisdicionais e realização de negócio transfronteiriço determinam a necessidade de maior alinhamento na atuação exigida em cada um dos mercados. É este o contexto comum a todos estes diplomas: o level the playing field entre geografias, entre mercados e entre produtos.
Considerando a maturidade de alguns dos mercados e geografias, estima-se que a mera existência e sindicância da ACBC estimule maior densidade na análise efetuada à origem e destino dos fundos, da diligência devida ao longo de todo o período de vida dos contratos (ou relação negocial), em particular em reação a adverse media ou investigações em curso. Incidirá, também, na própria execução dos planos de mitigação que se encontram definidos aquando da admissão do negócio.
Este esforço será em Portugal mais notório nas entidades obrigadas do setor não financeiro e, também, no setor segurador (ramo vida), em particular para as apólices de natureza financeira e com elementos de multijurisdicionalidade.
No setor segurador, estas alterações relevam em particular no ramo vida e, dentro deste, para as soluções de natureza financeira (e, desde logo, para produtos unit-linked). Se é verdade que o processo de venda tenderá a aumentar a sua complexidade e a tornar-se mais intrusivo, certo é que as estruturas de venda e operacionais em uso nestes segmentos de mercado, hoje mais sofisticadas, se traduzirão numa vantagem competitiva para a globalidade do negócio.
Enquanto os velhos hábitos (de negócio) sucumbem à mudança, os vencedores serão provavelmente os que melhor se adaptam às novas circunstâncias.