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O poder oculto dos dados
Numa elipse que rivaliza com a do “2001: Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick (que salta directamente da pré-história para a era espacial) e depois de termos olhado um pouco para o passado dos seguros, vamos agora para um futuro próximo, tentando perceber as opções que algumas das vias tecnológicas já divisáveis oferecem ao sector segurador, como resposta às suas dificuldades actuais (quando não, crónicas).
Numa elipse que rivaliza com a do “2001: Odisseia no Espaço” de Stanley Kubrick (que salta directamente da pré-história para a era espacial) e depois de termos olhado um pouco para o passado dos seguros, vamos agora para um futuro próximo, tentando perceber as opções que algumas das vias tecnológicas já divisáveis oferecem ao sector segurador, como resposta às suas dificuldades actuais (quando não, crónicas).
Hoje, falaremos da importância basilar dos dados e da informação e proporemos um novo paradigma, que permitirá às seguradoras usufruírem de todo o manancial de riqueza aí contido, até agora desperdiçado.
A informação como activo
Se há sector que desde muito cedo reconheceu a importância competitiva da informação, foi o sector segurador. Descoberta a Lei dos Grandes Números e sendo esta aplicada ao cálculo de risco, tornou-se evidente que o cálculo actuarial dependia não só do acesso à maior quantidade de dados relevantes possível, como às melhores fontes de dados disponíveis. O mesmo pode ser dito para detecção da fraude, outro «trigger point».
Aquele que detém a melhor informação mais cedo, tem a alavancagem competitiva. A (boa, suficiente e rápida) informação é capital para detectar oportunidades inexploradas: falamos da criação de novos produtos de seguros, mais adaptados à realidade do segurado, cobrindo novos protection gaps e/ou estabelecendo bundles de produto mais lógicos, por exemplo - daí a importância crescente da data analysis e da data science sobre grandes espólios de dados (big data) que extraiam sentido deles (informação). Portanto, à quantidade e qualidade de informação, acrescentamos a rapidez de acesso a ela.
Não estamos a falar apenas dos dados que vão sendo historicamente acumulados, mas dos que são recebidos pelas mais diversas fontes sincronamente (isto é, em tempo real e simultaneamente). Veja-se, por exemplo, os cabos submarinos inteligentes, em que Portugal - ao contrário do que possa pensar - é, claramente, pioneiro: estes cabos permitirão recolher informações de acústica, pressão, temperatura e movimento, que ajudam a monitorizar e prevenir catástrofes associadas a riscos sísmicos e climáticos, com implicações sociais, económicas, militares e científicas.
A um nível mais doméstico, digitalização crescente do meio ambiente (cujo expoente é a Internet of Things) e as integrações entre sistemas inteligentes, para que dialoguem entre si, alimentam, de forma praticamente instantânea, as tais enormes bases de dados onde, depois, humanos e algoritmos podem minerar as tais oportunidades e riscos.
Vendem-se, contudo, demasiadas miragens; por isso, acabamos por tomar o papel ingrato de chamar à atenção para aquilo que, sendo menos sexy, para nós, que trabalhamos com a tecnologia, precede todo e qualquer cenário: nada disto - ou mesmo soluções ainda mais avançadas, como a IA ou a computação quântica - será possível em pleno, sem a normalização de dados.
Falar a mesma língua franca
Em Portugal, uma visão algo redutora do conceito de concorrência, que não conta com as sinergias entre pares de um mesmo sector, provocou um expectável obscurecimento da informação; em parte, consciente e à defesa - justamente pelo reconhecimento do valor intrínseco à informação retida nas organizações (na era moderna, pela primeira vez celebrado por Drucker) - em parte, inconsciente e decorrente da tal fracturação competitiva do sector - sem esquecer a hiperburocratização dos nossos processos.
Isso traz-nos à situação actual, em que, ao contrário da vizinha Espanha (mero exemplo), as nossas seguradoras ainda não capitalizarem das sinergias que conseguiriam estabelecer colaborativamente. A atitude proteccionista que nos trouxe até aqui dificilmente nos levará mais além: é altura de mudar o paradigma - para o benefício de todas as partes (seguradoras, distribuidores, tomadores, reguladores, etc.).
Sendo um cavalo-de-batalha para alguns (como João Veiga, consultor de tecnologia, que tem sido incansável na exortação à criação de um standard semelhante ao de Espanha ou mesmo à adopção deste), nós próprios, RandTech Computing, levantamos o tema da normalização dos dados, na Conferência Nacional de Seguros 2025 Eco Seguros.
A multiplicidade de formatos de dados é ineficiente; e sente-se, por exemplo, na migração de uma seguradora entre ERPs - algo que nós conhecemos profundamente; mas afecta também o desenvolvimento de soluções unificadoras para a distribuição de seguros (como o nosso Anybroker), da qual (segundo a própria ASF) 75% do sector depende; mesmo nas integrações entre sistemas, entre cada seguradora e os seus próprios parceiros (peritos, parceiros de pagamentos, de saúde, reparação, bancos, etc.) essencial para a sua própria actividade.
A normalização de dados do sector segurador, não é, portanto, uma questão menor - é o único futuro possível - e o que precede os demais. Quem mais depressa o compreender, mais depressa ganha a corrida. No próximo artigo, falaremos de blockchain e como esta tecnologia encaixa aqui.