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O D&O e a importância de descomplicar

Passaram alguns anos desde que comecei a lidar no meu dia-a-dia com seguros de responsabilidade civil e ao longo deste tempo fui construindo a opinião que os seguros D&O serão talvez dos produtos mais complexos na área das responsabilidades. Nem o nome é especialmente fácil, pois pese embora haja uma nomenclatura em bom Português - Responsabilidade Civil de Diretores e Administradores - o estrangeirismo 'Directors & Officers' foi criando raízes e a sigla D&O estabeleceu-se como a marca de referência. 

Sejamos claros: o dinheiro é um bem escasso e a maioria das pessoas tem, regra geral, várias outras prioridades na lista de despesas antes de chegar à rubrica dos seguros. Há, aliás, muitos tipos de seguro que nem sequer têm lugar na maioria das listas de cada um de nós. Logo, ou há um incentivo realmente forte que direcione as pessoas no sentido da compra ou as hipóteses de nós, profissionais do setor, ganharmos um cliente interessado ficam mais comprometidas.  
E que incentivos? Bom, existem vários, desde logo o sentido de obrigatoriedade, sobretudo quando aliados ao medo da punição, o que faz com que clientes comprem o seguro com medo de uma coima ou de não poderem exercer uma atividade. Mas existem outros, diria, mais positivos. Como a busca intencional e livre levada a cabo por alguém com o objetivo de encontrar proteção contra um determinado risco ou de encontrar de formas de o mitigar.  
No entanto, para que isso aconteça é necessário que se verifiquem alguns pressupostos. Em primeiro lugar que a pessoa reconheça a existência de um determinado risco. Depois que considere a possibilidade de ser afetado por esse risco. E por último - aqui entra a parte interessante para os profissionais de seguros - que saiba da existência de apólices de seguro desenhadas para cobrir essas eventualidades. Com efeito, existem determinados riscos em que esse caminho já foi percorrido de forma bastante satisfatória, diria. É exemplo o caso do risco de incêndio. Mas não é menos verdade que o fogo tem uma história de vida bastante mais longa que a da responsabilidade civil. Todos sabem o que é um incendio e quais as suas consequências, daí que muitos temam que isso possa um dia chegar às suas vidas, procurando depois seguros que os protejam do ponto de vista financeiro. 
Infelizmente nos seguros de D&O as coisas ainda não acontecem dessa forma, entre outras razões, pela existência do tal véu de complexidade, por vezes difícil de destapar. O enquadramento legal dos deveres associados aos cargos de administração e direção em empresas, nomeadamente em termos da responsabilidade civil associada à infração desses deveres não é exatamente um tema que seja do conhecimento geral, nem sequer de uma grande fatia daqueles que poderiam ser os potenciais interessados.  
Por outras palavras, em termos de notoriedade, estamos perante um tipo de risco que está a anos-luz do incêndio ou do roubo. Como é possível eu temer algo que não sei sequer que existe? Pois, não é. Entre muitos dos que, em determinado momento das suas vidas, aceitam tomar numa empresa um lugar de administrador ou gerente, há um desconhecimento pelo menos parcial das responsabilidades que vêm à boleia. Quase que subsiste ainda uma certa inocência em torno de aspetos cuja pele pode ser mais de lobo do que cordeiro: a pessoa que empresta o nome para gerente, mas que sabe que não vai exercer de facto o controlo da empresa; o administrador que delega e confia nos especialistas que o rodeiam ou até se alheia um pouco de matérias que lhe são um pouco mais estranhas; entre outros. Estes cenários escondem por baixo algumas possíveis implicações legais nem sempre fáceis de ter presentes, mas de todo o modo possíveis. Quantas destas pessoas subestimarão a possibilidade de serem responsabilizados pela sua inação, sem se poderem refugiar no desconhecimento? Quantos desconhecerão, por exemplo, a figura da responsabilidade tributária subsidiária e o risco de um ex-administrador ter um dia na sua caixa de correio pessoal, uma carta da administração fiscal a reclamar quantias de dezenas ou centenas de milhares de euros? 
"Ok, ok, pode acontecer a outros, mas não certamente a mim" é uma lógica de pensamento relativamente comum no mundo dos seguros. Aqui entramos num obstáculo transversal a quase todos os tipos de seguro, no qual o risco é conhecido, mas em que a pessoa se considera pouco exposta a ele. A minha experiência em torno do D&O diz-me que há aqui vários fatores a concorrer para esse mesmo resultado. Por um lado, uma ideia de autocontrolo aumentada, em contraponto com outro tipo de riscos externos e mais difíceis de controlar. Um exemplo: “posso ser afetado por um sismo ou sofrer danos de uma tempestade” versus “a nossa empresa tem boas práticas e não cometemos erros que nos exponham a esse nível”. Depois, em comparação com outro tipo de riscos, muito mais presentes no imaginário de todos e com muitíssimos mais exemplos do que pode acontecer e com os quais as pessoas se possam identificar, no universo do D&O as coisas não se passam dessa forma.  
Aliás, muitas vezes os casos que chegam à opinião pública relacionados com erros e más práticas de gestão são os que são veiculados pelos media (por exemplo, acusações de corrupção em empresas públicas ou litigância relacionada com grandes grupos económicos) e têm um efeito perverso, na medida em que criam a falsa sensação de que a responsabilidade civil de diretores e administradores é algo que não chega a uma PME ou a uma microempresa familiar. Mas pode efetivamente chegar. Quem gere uma empresa assume uma série de responsabilidades importantes que normalmente têm uma equivalência, mais ou menos direta, em euros. E infelizmente a probabilidade de existirem incidentes de percurso não é assim tão pequena, pelo que o cenário de sofrer uma reclamação, justa ou injusta, de alguém que se tenha sentido lesado, está longe de ser uma hipótese académica. 
Se conheço um risco e se o temo de alguma maneira, é provável que em algum momento me lembre do mundo dos seguros e da hipótese de alguém desse mundo já ter desenhado uma solução para este meu problema. Outra questão diferente é saber se essas soluções são conhecidas, se estão razoavelmente acessíveis ao mercado que as serve, se as podemos compreender de forma clara, se as conseguimos valorizar. É aqui que a complexidade a que me referia nas primeiras linhas surge como inimiga da compra. Não há como negar, as apólices de D&O têm um leque de coberturas muito alargado, mas contêm uma linguagem técnico-jurídica apurada, nem sempre acessível a todos e que remete para questões legais bastante específicas, o que as torna de mais difícil leitura e cabal compreensão. Por conseguinte, se um qualquer gestor com algum interesse no tema não conhecer nenhum profissional que comercialize apólices de D&O e que saiba explicar os principais aspetos deste seguro de forma clara ou se as características do seguro não transmitirem confiança e uma ideia de bom uso do dinheiro, o tal recurso escasso, então, o mais provável é que a aquisição desse seguro seja mais uma decisão adiada. Mais uma “quarta-feira no escritório”, a fazer o melhor que sabemos, mas um pouco mais por nossa conta e risco. 

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AUTORES

Ricardo Azevedo

Ricardo Azevedo

Diretor Técnico - Innovarisk Underwriting

Ricardo Azevedo é Diretor Técnico na Innovarisk Underwriting, empresa portuguesa independente a operar enquanto agência de subscrição. Licenciado em Economia pela Universidade Nova de Lisboa e Mestre em Finanças pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, iniciou o seu percurso profissional na atividade seguradora em 2005. Desde então tem estado sempre ligado às áreas da subscrição e da gestão de produtos, com particular interesse e atividade em torno das questões relacionadas com a comunicação e com a divulgação de boas práticas, e o seu papel na promoção da literacia financeira e da importância da colaboração e do trabalho em equipa.