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O dia em que a ponte caiu

A 26 de março de 2024 o mundo desperta para uma tragédia de enormes proporções. A ponte Francis Scott Key - a maior ponte de Baltimore nos EUA -, inaugurada em 1977, acaba de colapsar devido ao embate do porta-contentores “Dali” num dos seus pilares.

26 de março de 2024, uma data que ficará nos anais da história e será alvo de menções futuras ao nível de literatura de seguros e de gestão de riscos.

O mundo acorda horrorizado com imagens típicas de um blockbuster de Hollywood: um porta-contentores de grande porte colide com um dos pilares da ponte Francis Scott, em Baltimore, nos Estados Unidos, levando ao seu imediato colapso.

Aquele que já foi considerado um dos maiores sinistros para o setor segurador de transportes, após o caso do navio de cruzeiro Costa Concórdia, não é - e contrariamente ao que se possa pensar-, uma ocorrência altamente improvável. As colisões entre embarcações e pontes são frequentes, tendo inclusive ocorrido, recentemente, um caso semelhante na ponte 25 de Abril em Lisboa. Contudo nunca se tinha registado um evento com tamanhas proporções e consequências.

Este evento é também demonstrativo da correlação entre múltiplos riscos, ou ameaças, tais como o risco de um navio colidir com uma estrutura sólida, o risco de um objeto colidir com uma ponte, o risco de colapso de uma ponte, o risco de um porto ficar bloqueado, o risco das cadeias de abastecimento sofrerem perturbações, entre outros, pelo que importa mais do que nunca gerir os riscos de um modo integral e não numa visão de silo, ou seja, risco a risco.

Começando pelo navio propriamente dito, os danos respetivos estarão cobertos pela apólice de casco e maquinaria (H&M), enquanto a apólice de proteção e indemnização (P&I) do navio cobre as responsabilidades perante terceiros decorrentes da colisão.

Uma apólice P&I é uma das formas mais abrangentes de seguro disponíveis, oferecendo uma proteção extensiva. Isso deve-se ao facto de a cobertura ser geralmente concedida pelos “clubes” aos seus próprios membros, envolvendo uma mutualidade de interesses.

Os riscos perante terceiros usualmente transferidos para uma apólice de P&I encontram-se detalhados abaixo:

  • Poluição: em caso de derrame de combustível ou outros poluentes, a apólice cobrirá a fuga ou descarga efetiva ou ameaça, de petróleo ou outra substância poluente, bem como os custos das medidas razoavelmente tomadas para prevenir ou minimizar a poluição. O termo "efetiva ou ameaça" é crucial, pois o segurado não precisa de provar que a poluição ocorreu ou ocorreria como condição prévia para a cobertura.
  • Remoção de naufrágios: se o navio tiver sofrido danos e estiver naufragado, a apólice pagará os custos de levantamento, remoção, destruição, iluminação ou sinalização dos destroços do navio segurado. A responsabilidade pelo reboque, se necessário, também está coberta.
  • Tripulação: a apólice P&I cobrirá qualquer responsabilidade em relação à tripulação por ferimentos ou morte. Até o momento, não há registo de incidentes com tripulantes.
  • Danos pessoais a terceiros: múltiplos veículos com ocupantes caíram ao rio, tendo sido registadas várias fatalidades. A apólice cobre a responsabilidade por ferimentos, doença ou morte de pessoas - que não sejam tripulantes ou passageiros - devidos à operação do navio. As operações de resgate e socorro efetuadas também estão cobertas.
  • Carga: a apólice cobre a responsabilidade por perda de carga, escassez, danos, atrasos ou outras responsabilidades relacionadas com a carga destinada a ser, sendo ou tendo sido transportada no ou pelo navio segurado, incluindo a destruição de carga danificada e a não remoção da carga pelo consignatário.

Sobre este ponto é interessante acrescentar que, entretanto, o proprietário do navio que destruiu a ponte Francis Scott Key, deu início a um processo formal no qual as empresas que expediram mercadorias neste percurso do navio Dali terão de partilhar algumas das perdas financeiras, de acordo com o maior transportador de contentores do mundo.

A A.P. Moller-Maersk A/S indicou que o processo, conhecido como “general average”, foi declarado pela Grace Ocean, sediada em Singapura, de acordo com um aviso aos clientes na sexta-feira da MSC Mediterranean Shipping Co. SA.

 

  • Multas e penalizações: Quaisquer multas e penalidades decorrentes da entrega atrasada de carga ou poluição acidental por óleo ou qualquer outra substância também estão cobertas.
  • Danos à ponte rodoviária: A cobertura de responsabilidade por objetos fixos e flutuantes (FFO) da apólice P&I pode ser acionada. Esta cobertura abrange a responsabilidade pelo pagamento de indemnizações ou compensações por qualquer perda ou dano a bens em terra ou na água durante a operação do navio segurado.

Os danos materiais à ponte estão também salvaguardados por uma apólice de Patrimoniais, sendo inclusive - no caso do incidente em Baltimore - esta apólice que irá proceder à liquidação das primeiras indemnizações, não obstante não serem suficientes per si para assumir a totalidade dos danos.

Entretanto, o impedimento de acesso ao porto de Baltimore está a gerar perdas económicas na ordem de $15 M por dia, pelo que são esperadas múltiplas reclamações por parte de empresas pelas perdas de exploração geradas por este evento, quer ao abrigo das coberturas de contingência (impedimento de acesso) nas suas apólices de Perdas de Exploração, quer via apólices de Supply chain.

Trata-se sem dúvida alguma de um evento marcante para a sociedade e para o setor segurador, com consequências ainda hoje difíceis de estimar, e cuja regularização demorará vários anos e, por certo, será caracterizada por inúmeros processos litigiosos.

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AUTORES

Nuno Rodrigues

Nuno Rodrigues

Diretor de Riscos Patrimoniais e Engenharias - MDS Portugal

Iniciou a carreira na actividade seguradora em 2002 na Companhia de Seguros Generali Portugal como Analista de Riscos Industriais. Em 2006 é convidado para integrar o escritório Londrino do Grupo Generali, onde desempenhou funções de Subscritor de Riscos Patrimoniais e de Engenharia em mercados internacionais, com foco na região Ibérica e Latam.


Em 2008 regressa a Portugal assumindo a responsabilidade pela gestão do Departamento de Patrimoniais e Engenharia da Generali Portugal, acumulando desde 2013 também a responsabilidade pela Gestão de Negócio Corporate, o que permitiu desenvolver valências em matérias como Resseguro, Programas Internacionais e Atuariado. O Nuno é licenciado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Superior Técnico e está a concluir uma pós-graduação em Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Economia e Gestão.