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Leituras N.31

Elizabeth O´Brien Ingleson, Made in China: When US-China interests converged to transform global trade, Cambridge: Harvard University Press, 2024, 352 páginas. 
 
 
Como é que a China, a maior nação comunista do mundo, convergiu para o capitalismo global? E quando é que isso aconteceu? É isto que a historiadora Elizabeth Ingleson procura explicar: como os Estados Unidos e a China passaram de inimigos da Guerra Fria a uma causa comum, transformando a economia chinesa numa fonte de mão de obra barata, criando a interdependência económica que caracteriza o mundo atual. 
Longe de ser inevitável, Ingleson mostra que esta convergência dependeu de uma reconfiguração do próprio significado do comércio. Durante séculos, a vastidão do mercado chinês tentou as empresas estrangeiras em busca de clientes. Mas a partir da década de 1970, quando os EUA e a China puseram fim a duas décadas de isolamento da Guerra Fria, as relações comerciais da China tomaram uma direção diferente, reformulando o mercado chinês: o velho sonho de clientes abundantes deu lugar a uma nova visão de centenas de milhões de trabalhadores de baixo custo. 
Centrado no período crucial da década de 1970, este livro recorda-nos as raízes das complexidades ainda presentes nas atuais relações entre a China e os EUA. A autora argumenta que a transformação do mercado chinês e a relação entre as duas potências foram possibilitadas por três fatores interligados: cultural, diplomático e económico. Meticulosamente investigado, Ingleson conclui que as relações bilaterais convergiram numa altura em que ambos os países precisavam um do outro para atingir os respetivos objetivos nacionais estratégicos. Numa altura em que as tensões entre a China e os Estados Unidos assume contornos de alguma inquietação, Made in China recorda-nos que muitos dos desafios atuais não são necessariamente novos e podem oferecer um caminho mais construtivo num cenário em que cada país incorpore o outro na sua respetiva visão estratégica, não necessariamente incompatível. 

Marcus D. King, Weaponizing Water: Water stress and Islamic extremist violence in Africa and the Middle East, Boulder: Lynne Rienner Publishers, 2023, 245 páginas.

Os conflitos e a degradação ambiental andam frequentemente de mãos dadas. Muitas guerras civis recentes foram exacerbadas pelo declínio de recursos, como a terra e a água, causado tanto pelo aquecimento global como pelas pressões populacionais. O livro de Marcus King parte desta premissa e os três casos de insurreições extremistas islâmicas que examina - o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, o Boko Haram no nordeste da Nigéria e o al Shabab na Somália - têm lugar em locais que sofrem claramente de desertificação e de crescente escassez de água. King descreve habilmente esta dinâmica e argumenta que as três insurreições utilizaram a necessidade de água como arma para causar terror e fazer avançar os seus objetivos. Procuraram apoderar-se das infraestruturas hídricas e controlar as terras irrigadas. Também envenenaram os poços de água das comunidades e colocaram minas terrestres perto de fontes de água para limitar o seu acesso. King discute as opções políticas para os governos dentro e fora de África, mas conclui, de forma pessimista, que a utilização dos recursos hídricos como arma irá provavelmente caraterizar um número crescente de conflitos.

Até 2050, dois terços da população enfrentarão alguma forma de stresse hídrico. Sendo uma parte fundamental da vida, a água influencia também os conflitos. De facto, como refere o autor, existe uma "correlação entre as esferas de influência das organizações extremistas violentas e as terras mais secas ou áreas de vegetação esparsa em algumas das regiões mais áridas da Terra".

Assim, Weaponizing Water fornece investigação oportuna e essencial sobre um tema pouco estudado, fazendo a ponte entre o stress hídrico e o conflito. É uma contribuição importante para o domínio da segurança da água, não só situando-a na complexa teia de fatores que permitem o conflito violento e o sofrimento humano, mas também identificando potenciais pontos de intervenção.

Jared Cohen, Life After Power: Seven presidents and their search for purpose beyond the White House, New York: Simo & Schuster, 2024, 512 páginas.

Os antigos presidentes ocupam um lugar invulgar na vida americana. O rei Jorge III acreditava que a partida de George Washington após dois mandatos tornava-o "o maior personagem da época", embora Alexander Hamilton temesse que os ex-presidentes pudessem "vaguear entre o povo como fantasmas". Ambos tinham razão.

Em Life After Power, o historiador presidencial Jared Cohen examina a vida pós-presidencial de sete chefes de Estado americanos desde a fundação até aos nossos dias. Cada um deles mudou a história. Cada um deles oferece lições sobre como decidir o que fazer no próximo capítulo da vida: Thomas Jefferson, John Quincy Adams, Grover Cleveland, William Howard Taft, Herbert Hoover, Jimmy Carter e George W. Bush.

Thomas Jefferson foi o primeiro antigo presidente a realizar grandes feitos depois da Casa Branca, moldando debates públicos e fundando a Universidade da Virgínia, um feito que incluiu na sua lápide, ao contrário da sua presidência. John Quincy Adams serviu no Congresso e tornou-se um importante abolicionista, passando o testemunho a Abraham Lincoln. Grover Cleveland foi o único presidente da história americana a cumprir um segundo mandato não consecutivo. William Howard Taft tornou-se Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Herbert Hoover moldou o movimento conservador moderno, liderou os esforços de ajuda após a Segunda Guerra Mundial, reorganizou o poder executivo e reconciliou John F. Kennedy e Richard Nixon. Jimmy Carter teve a mais longa pós-presidência da história americana, promovendo causas humanitárias, os direitos humanos e a paz. George W. Bush rompeu definitivamente com a política, recuperando o precedente de George Washington e recordando ao público que a presidência é maior do que qualquer pessoa.

Explicar o significado da pós-presidência exige que o autor explique o seu tempo no cargo de chefe do executivo. Os capítulos sobre cada um destes homens constituem mini-livros, quase biografias completas. Cohen acredita que estes líderes, outrora poderosos, podem ensinar-nos muito. Ser um ex-presidente não é um cargo, embora se perceba que deixar o poder nunca é fácil. A maior lição deste livro está na importância de planear um ato final inevitável.

Disclaimer: Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.
Os conteúdos e opiniões expressos neste texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor, nunca vinculando ou responsabilizando instituições às quais esteja associado.

Texto escrito antes de 1 de novembro de 2024.

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AUTORES

Bernardo Pires de Lima

Bernardo Pires de Lima

Investigador - IPRI Universidade Nova

Bernardo Pires de Lima  (Lisboa, 1979) é Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa. Foi consultor político do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, analista de política internacional da Visão, do Diário de Notícias, da RTP e da Antena 1, e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Foi Investigador do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, e do Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. É autor de vários livros sobre política internacional contemporânea, sendo o mais recente O Ano Zero da Nova Europa (Tinta-da-china, 2024).