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Leituras N.29

Peter Trubowitz e Brian Burgoon, Geopolitics & Democracy: The Western Liberal Order from Foundation to Fracture, Oxford: Oxford University Press, 2023, 264 páginas

Neste estudo pioneiro, Peter Trubowitz, professor na LSE e Brian Burgoon, professor na Universidade de Amesterdão, argumentam que a atual reação contra a ordem internacional liberal liderada pelo Ocidente pode ser atribuída à década de 1990. Durante a Guerra Fria, o público ocidental aceitou as compensações que vieram com a liberalização do mercado. A ameaça do comunismo soviético encorajou um compromisso entre o capitalismo de livre mercado e a social-democracia. Mas nas décadas pós-Guerra Fria, à medida que os governos assumiram mais compromissos multilaterais e incentivaram a globalização económica, esse cálculo de custo-benefício começou a mudar. Os cidadãos assumiram um sentimento aguçado de insegurança económica e abriram-se espaços políticos para grupos outrora marginalizados prosseguirem agendas antiglobalistas e nacionalistas.

Os principais partidos políticos de centro-direita e centro-esquerda – a espinha dorsal da ordem liberal ocidental – estão agora na defensiva, enfrentando eleitorados que querem menos globalização e mais proteção social e económica. Combinando evidências qualitativas-históricas e quantitativas, o livro argumenta que o fracasso das democracias ocidentais em reforçar a proteção social doméstica no meio das mudanças na geopolítica do pós-Guerra Fria minou as bases político-partidárias que suportavam a ordem internacional.  O enfraquecimento dessas fundações, por sua vez, desencadeia grandes ameaças à cooperação global e ao multilateralismo internacional.  Como respostas políticas a estes desafios, Geopolitics and Democracy aponta pistas para as democracias ocidentais de maneira a revitalizarem a ordem liberal. Como mostram Trubowitz e Burgoon, o Ocidente só retomará o internacionalismo liberal quando o sistema social-democrata for reconstruído em casa.

Peter Baker e Susan Glasser, The Divider: Trump in the White House 2017-2021, New York: Doubleday, 2022, 752 páginas.

Escrito pelo casal de jornalistas mais bem informado de Washington, The Divider é uma meticulosa investigação aos anos de Trump. Desde a campanha que lhe deu a vitória em 2016, até à gestão desastrosa da pandemia, terminando no conluio com a invasão ao Capitólio, após perder as eleições de 2020, este livro talvez seja a anatomia mais bem conseguida de um político que destruiu o partido republicano, transformando-o num culto à sua excêntrica personalidade, ao seu radicalismo narcisista, ao seu instinto básico por autoritarismo.

Para tal, os autores realizaram mais de trezentas entrevistas, inclusive a familiares de Trump, de maneira a traçarem um perfil mais completo do ex-presidente, do seu círculo mais próximo, dos seus métodos, ideias e objetivos, arrastando consigo um sistema político fragilizado, uma sociedade entrincheirada, um país em retração estratégica no mundo. Se a narrativa é fascinante, as conclusões traumáticas.

Por duas vezes o Congresso iniciou processos de destituição, as tensões com a China e o Irão elevaram-se, pagando todos um preço ainda hoje por essa estratégia, cujo efeito mais duradouro está no fim do acordo de monitorização do seu programa nuclear. Pequenas histórias da Casa Branca, dos encontros internacionais e da imensidão de embaraços diários, ajudam a retratar anos bizarros na política americana que podem regressar este ano. Se dividir para reinar foi o mote dos anos de Trump, uma vitória em 2024 afundará a América num ambiente de aberta hostilidade social, agressividade política e erosão constitucional. Nessa altura Baker e Glasser serão tentados a dar um outro título ao próximo livro: The Destroyer.

Alexander Ward, The Internationalists: The fight to restore American Foreign Policy after Trump, New York: Portfolio/Penguin, 2024, 368 páginas.

A política externa desempenhou um papel modesto nas eleições de 2016, mas Donald Trump conseguiu marcar uma agenda tão disruptiva com aliados como de encantamento com ditadores, o que dificilmente tornaria essa área governativa um plano desvalorizado pelo seu sucessor. Assim, Joe Biden assumiu o cargo com uma grande ambição: reparar a reputação dos Estados Unidos no exterior e colocar o país num caminho mais confiável e previsível, onde a política externa seria elaborada com a classe média em mente, ligando os desafios internos às opções internacionais da América.

Alexander Ward, jornalista especializado em segurança nacional, trabalha com detalhe os dois primeiros anos de Biden na Casa Branca, centrado nos corredores da política externa e nos perfis dos seus mais próximos colaboradores, nomeadamente Antony Blinken e Jake Sullivan, o principal autor dessa estratégia que liga segurança económica, ajustamentos geopolíticos e adaptação industrial americana às novas dinâmicas da globalização. Mas também Lord Austin, à frente do Pentágono, e Avril Haines, antiga número dois da CIA. Em paralelo, através de inúmeras entrevistas e fontes privilegiadas, acompanha de perto a desastrosa retirada do Afeganistão, grosso modo negociada no mandato de Trump, as tensões entre os departamentos de Defesa e de Estado, os primeiros tempos da guerra na Ucrânia, a relação entre Biden e Zelensky, as disfuncionalidades do Congresso, e a reentrada nas crises do Médio Oriente.

De certa maneira, este livro está para Biden como The Rise of the Vulcans, de James Mann, está para George W. Bush, mas Alexander Ward tem ainda muito material para fazer um segundo volume centrado na relação com a China, a evolução da guerra na Ucrânia, e a erupção das várias camadas de conflitos no Médio Oriente. Se o fizer, tornar-se-á num dos autores mais relevantes para percebermos com detalhe a gestão americana destes anos tão perturbantes que vivemos.

Disclaimer: Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.
Os conteúdos e opiniões expressos neste texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor, nunca vinculando ou responsabilizando instituições às quais esteja associado.

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AUTORES

Bernardo Pires de Lima

Bernardo Pires de Lima

Investigador - IPRI Universidade Nova

Bernardo Pires de Lima (Lisboa, 1979) é atualmente Conselheiro Político do Presidente da República Portuguesa. Além disso, é Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, analista de política internacional do Diário de Notícias, da RTP e da Antena 1, e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Foi Investigador do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, e do Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. É autor de oito livros sobre política internacional contemporânea, sendo o mais recente Portugal na Era dos Homens Fortes: Democracia e Autoritarismo em Tempos de Covid (Tinta-da-China), publicado em Setembro de 2020.