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Publicado em Extra Cover

Leituras N.28

Jonathan White, In the Long Run: The future as a political idea, London: Profile Books, 2024, 272 páginas.

A democracia, escreve o professor da London School of Economics, Jonathan White, é "uma forma orientada para o futuro, sempre necessariamente inacabada". Para que a democracia funcione é fundamental que as pessoas acreditem num futuro em aberto: que existem alternativas ao status quo, que a sociedade pode evoluir de várias maneiras e que as pessoas podem escolher pacificamente e de forma negociada o seu rumo. Embora o otimismo em relação ao futuro tenha contribuído para construir a democracia, ciclos prolongados de negativismo coletivo expressos por desaceleração económica, mudanças climáticas, novas tecnologias disruptivas e uma tensão geopolítica aberta, podem conduzir a um raciocínio inverso, de que o futuro não parece favorecer a democracia.

O novo livro de White, habilidoso e atraentemente escrito, toma o título da piada de Keynes. No seu cerne está um exame das tensões com as quais a democracia se confronta com questões de longo prazo. A sensação de que estamos no limite fornece o contexto da política contemporânea, numa ameaça de emergências que tudo consome. As alterações climáticas sucederam à guerra nuclear iminente como o perigo mais significativo, mas a desigualdade económica, a instabilidade internacional, a inteligência artificial e, claro, as pandemias, acrescentam uma finitude aos dilemas contemporâneos, que parecem bloquear o crescimento da fé na democracia. 

Narges Bajoghli, Vali Nasr, Djavad Salehi-Isfahani, and Ali Vaez, How Sanctions Work: Iran and the impact of economic warfare, Stanford: Stanford University Press, 2024, 212 páginas.

O Irão está sob contínuas sanções ocidentais, sobretudo americanas, há quatro décadas. Hoje é quase impossível analisar as sociedades contemporâneas no Oriente Médio mais amplo, em certas partes da de África e da América Latina e, cada vez mais, na Rússia e na China, sem considerar os impactos multifacetados das sanções económicas. Embora os Estados Unidos, cautelosos com a guerra tradicional após suas experiências nas guerras eternas pós-11/9, confiem cada vez mais nas sanções como uma ferramenta chave de política externa, não tem havido suficiente teorização crítica ou pesquisa empírica sobre o que as sanções econômicas económicas fazem aos países impactados e como os regimes de sanções econômicas económicas se cruzam com a guerra, o direito internacional.

Escrito por quatro especialistas no Médio Oriente, mas em particular no Irão, cruzam a antropologia, a economia e a geopolítica para chegar a conclusões interessantes, num balanço que deveria fazer refletir os europeus, aqueles que precisam de alinhar uma estratégica tão eficaz como autónoma na reconstrução de uma influência na região, capaz de garantir mais segurança e estabilidade com impactos, também na política europeia. Dizem os autores que, em vez de prejudicar os líderes do regime iraniano, as sanções fortaleceram o regime teocrático, o aparelho de Estado e os militares iranianos, prejudicando sobretudo as pessoas que deveriam ajudar: a classe média. O impacto da dureza sancionatória conduziu 20% da classe média para baixo do limiar da pobreza, colocando 80% dos cidadãos dependentes de ajudas governamentais. Só a classe média pode, um dia, ser a força de mudança de um país central em toda a política do Médio Oriente.

Paul Scharre, Four Battlegrounds: Power in the age of artificial intelligence, New York: W. W. Norton, 2023, 512 páginas.

Estamos num novo tempo de revolução industrial e tecnológica. Como a mecanização ou a eletricidade antes dela, é já um lugar-comum dizer que a Inteligência Artificial (IA) afetará todos os aspetos de nossas vidas e causará profundas interrupções no equilíbrio de poder global, especialmente entre as grandes potências da área: China, Estados Unidos e União Europeia.

O último livro de Paul Scharre, diretor de estudos do Center for a New American Century, compara as formas como a IA está a ser integrada em sistemas militares e não militares pelas grandes potências mundiais e aponta quatro grandes áreas de disputa entre elas: nos métodos de recolha, utilização e segurança de dados; no desenvolvimento de capacidades computacionais avançadas, que dependem tanto da inovação como de recursos escassos; na valorização e retenção de talento; e na organização e cooperação das instituições centrais, as quais determinarão se serão os valores autoritários ou democráticos a imporem-se.

Scharre mergulha profundamente em cada área, observando as diferenças fundamentais entre a China autoritária e o modelo democrático dos EUA, apontando ao primeiro uma certa unidade de propósito, financiamento ilimitado, mas restrições à inovação; e ao segundo alguma desagregação, num ambiente um tanto caótico, mas que atrai os melhores talentos e é capaz de avanços radicais. Envolvente e direto, Four Battlegrounds oferece uma imagem vívida de como a IA está a transformar a guerra, a segurança global e o futuro da liberdade, num desafio civilizacional às democracias para que permaneçam na vanguarda da ordem mundial.

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AUTORES

Bernardo Pires de Lima

Bernardo Pires de Lima

Investigador - IPRI Universidade Nova

Bernardo Pires de Lima (Lisboa, 1979) é atualmente Conselheiro Político do Presidente da República Portuguesa. Além disso, é Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, analista de política internacional do Diário de Notícias, da RTP e da Antena 1, e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Foi Investigador do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, e do Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. É autor de oito livros sobre política internacional contemporânea, sendo o mais recente Portugal na Era dos Homens Fortes: Democracia e Autoritarismo em Tempos de Covid (Tinta-da-China), publicado em Setembro de 2020.