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Leituras N.27

Ian Goldin and Tom Lee-Delvin, Age of the City: Why our future will be won or lost together, London: Bloomsbury, 2023, 256 páginas.

Dos centros da Antiguidade Clássica, como Atenas e Roma, às grandes metrópoles modernas, como Nova York ou Xangai, as cidades têm sido motores de progresso ao longo da história e palco das nossas maiores conquistas civilizacionais, como o nascimento da democracia em Atenas, o renascimento em Florença, a revolução industrial em Manchester, ou a revolução digital em Palo Alto.

Neste livro, os autores argumentam que as cidades concentram os desafios contemporâneos e o laboratório das soluções para os grandes desafios do futuro. Com mais da metade da população mundial ali a viver, podendo chegar aos dois terços em 2050, as mesmas representam mais de 80% do produto interno bruto global. O surgimento e evolução das cidades no século XXI é o foco central do livro, no qual os autores identificam quatro grandes ameaças a um futuro sustentável: as pandemias numa globalização assente na livre circulação de pessoas e bens; os danos vertiginosos já causados pelas mudanças climáticas; a incapacidade de travar as desigualdades económicas e intergeracionais; e a solidão simbolizada pelo nosso recuo para uma atomização social online. Acresce a isto uma globalização e uma mudança tecnológica muito rápidas, geradores de grandes concentrações de riqueza num pequeno número de metrópoles em expansão, deixando muitas cidades e vilas menores para trás, alimentando assim uma nova fase do ressentimento populista. Sem derrotismos, Goldin e Lee-Delvin apontam caminhos, prescrevem prioridades, e apontam pistas realistas para inverter tendências demasiado enraizadas.

Anu Bradford, Digital Empires: The global battle to regulate technology, New York: Oxford University Press, 2023, 352 páginas.

Numa aparente dispersão de agentes económicos, a verdade é que a globalização também assenta numa concentração de grandes empresas que de facto controlam o tecido empresarial de média dimensão, através de uma digitalização sistémica que, entre outros efeitos, prejudica a privacidade dos dados e amplia a distância entre vencedores e perdedores. Anu Bradford, investigadora e professora em Columbia, examina três abordagens regulatórias concorrentes. Primeiro, o modelo regulatório americano centra-se na liberdade de expressão, na internet livre, nos incentivos para inovar e na autorregulação das empresas de tecnologia. Segundo, o modelo regulatório chinês baseia-se numa visão estatal sobre a economia digital, procura maximizar o domínio tecnológico da China, mantendo a harmonia social e o controle do governo sobre as comunicações dos cidadãos. Terceiro, a abordagem regulatória europeia difere dos modelos dos EUA e da China na medida em que é distintamente orientada por direitos. De acordo com a UE, a intervenção regulatória é necessária para defender os direitos fundamentais dos indivíduos, preservar as estruturas democráticas da sociedade e garantir uma distribuição justa de benefícios na economia digital.

Digital Empires expõe não apenas isto como discute a forma como navegam os governos e as empresas de tecnologia entre os conflitos inevitáveis que surgem quando essas abordagens regulatórias colidem no domínio internacional. Que modelo de regulação digital prevalecerá na disputa por uma maior influência global é uma questão em aberto, mas no entretanto vamos acompanhando batalhas regulatórias, e as decisivas escolhas que governos, empresas e cidadãos vão fazendo, moldando assim o futuro ethos da sociedade digital. Afinal de contas, aquela em que estamos todos a crescer.

Helen Czerski, Blue Machine: How the ocean shapes our world, London: Torva, 2023, 464 páginas. 
 
 
Todos os oceanos são um único motor alimentado pela luz solar, impulsionando enormes fluxos de energia, água, vida e matérias-primas. Em The Blue Machine, a física e oceanógrafa Helen Czerski ilustra os mecanismos por trás dessa característica definidora do nosso planeta, viajando das profundezas do oceano para recifes de coral tropicais, estuários que alimentam mares costeiros rasos e flocos de gelo do Ártico. 
Através de histórias, culturas e vida animal, é explicado como a temperatura da água, a salinidade, a gravidade e o movimento das placas tectónicas da Terra interagem numa dança complexa, apoiando a vida em menor escala - plâncton – ou as maiores - tartarugas marinhas gigantes, baleias, a humanidade. Dos antigos polinésios que navegaram pelo Pacífico lendo as ondas, aos residentes permanentes das profundezas, como o tubarão da Gronelândia, que pode viver centenas de anos, Czerski apresenta os mensageiros, passageiros e viajantes dependentes dos sistemas interligados das vastas correntes, paredes oceânicas invisíveis e cataratas subaquáticas. 
Mais importante, no entanto, Czerski revela que, embora o motor oceânico nos tenha sustentado por milhares de anos, enfrenta hoje ameaças urgentes. Aprender o funcionamento do oceano e o seu papel essencial no nosso sistema global, podemos construir soluções mais sustentáveis à sua proteção, com impactos no combate às alterações climáticas, preservação costeira e da biodiversidade, salvaguardando o futuro intergeracional. Oportuno, elegante e profundamente bem argumentado. 

Disclaimer: Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa.
Os conteúdos e opiniões expressos neste texto são da exclusiva responsabilidade do seu autor, nunca vinculando ou responsabilizando instituições às quais esteja associado.

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AUTORES

Bernardo Pires de Lima

Bernardo Pires de Lima

Investigador - IPRI Universidade Nova

Bernardo Pires de Lima (Lisboa, 1979) é atualmente Conselheiro Político do Presidente da República Portuguesa. Além disso, é Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, analista de política internacional do Diário de Notícias, da RTP e da Antena 1, e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Foi Investigador do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, e do Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. É autor de oito livros sobre política internacional contemporânea, sendo o mais recente Portugal na Era dos Homens Fortes: Democracia e Autoritarismo em Tempos de Covid (Tinta-da-China), publicado em Setembro de 2020.