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Leituras N.25

Rush Doshi, The Long Game: China’s Grand Strategy to Displace American Order, New York: Oxford University Press, 2021, 419 páginas. 
 
 
É talvez a grande questão da geopolítica contemporânea: afinal, qual é a grande estratégia da China para as próximas décadas? Alcançar mais influência nas instituições internacionais existentes ou estabelecer uma arquitetura alternativa? Dominar a região da Ásia-Pacífico ou algo mais? Retirar o estatuto de potência global dominante aos Estados Unidos? E como o fará?  
Rush Doshi, investigador da Brookings, que após publicar este livro passou a dirigir a pasta da China no Conselho de Segurança Nacional na Administração Biden, arruma a argumentação de maneira maximalista e ambiciosa, na qual os objetivos de longo prazo da China passam por quebrar o sistema de alianças dos EUA, estabelecer uma rede global de bases militares, monopolizar tecnologias de ponta, dominar o comércio com a maioria dos países e promover elites autoritárias em todo o mundo. Como evidência, cita extensivamente os escritos e discursos de líderes e pensadores chineses, para depois inferir o seu significado em ações concretas e cada vez mais assertivas da China.  
No último século, a Alemanha nazi, o Japão imperial e a União Soviética, nunca alcançaram 60% do PIB americano, o que faz da concorrência da China atual uma singularidade, aceleradas a partir das eleições americanas de 2016. A partir daqui, e das ambições chinesas identificadas, Doshi considera irrealistas as propostas de acomodação como as estratégias para subverter o regime chinês, sugerindo outras fórmulas para os Estados Unidos desfocarem a influência da China, através de uma diplomacia multilateral mais ativa e da reconstrução da ordem internacional, fortalecendo as suas alianças e incentivando o crescimento interno. 

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, Tyranny of the Minority, New York: Crown, 2023, 368 páginas.

Depois de um amplo sucesso com o excelente How Democracies Die, Levitsky e Ziblatt focam-se agora sobretudo nos Estados Unidos, usando algumas comparações com outros países, especialmente do hemisfério norte, para destacar algumas características de um excecionalismo americano. Os autores, ambos professores em Harvard, avançam dois argumentos principais para explicar o estado da democracia americana e o retrocesso autoritário contra os fundamentos constitucionais da República.

Primeiro, o facto de o Partido Republicano ser esmagadoramente um refúgio do eleitorado branco que teme perder a sua preponderância perante o multiculturalismo dos EUA, reagindo de forma agressiva, fechando-se socialmente num conjunto de teses conspirativas politicamente agregadoras. Em último caso, negando a legalidade eleitoral, o reconhecimento do vencedor, chegando ao ponto de tentar reverter os resultados através de uma invasão violenta ao Congresso, como a que aconteceu a 6 de janeiro de 2021.

Em segundo lugar, o facto de o quadro institucional dos EUA ter um conjunto excecional de características contra tentações de maiorias autoritárias, dando às minorias políticas mecanismos institucionais para defender seus interesses e direitos básicos, não quer dizer que as instituições vigentes se adequem aos desafios sistémicos do presente. Na visão de Levitsky e Ziblatt, o esforço para evitar uma “tirania da maioria” por meio dessa configuração institucional globalmente única foi longe demais, extremando o poder autoritário de minorias, restringindo a competição política, desalinhando o equilíbrio de poder com as preferências eleitorais, cristalizando reformas constitucionais e eleitorais, entrincheirando o debate entre fações que se recusam a dialogar.

Para antídoto, os autores fazem um conjunto de propostas, desde o alargamento do direito de voto, reformas institucionais profundas como o fim do Colégio Eleitoral ou a limitação de mandatos no Supremo Tribunal. Sem estas e outras reformas, face aos bloqueios do sistema, a democracia americana tenderá a agravar o seu “declínio democrático”.

Ben Ansell, Why Politics Fails, New York: Public Affairs, 2023, 345 páginas.

Professor em Oxford, Ben Ansell faz neste livro uma defesa acérrima da política como prescrição para os dilemas que as sociedades contemporâneas enfrentam, sobretudo aqueles que são partilhados por um conjunto alargado de pessoas, como as alterações climáticas, as desigualdades, a sustentabilidade económica, a segurança, a democracia ou a igualdade. Para o autor, o que é preciso é mais política, não menos. Por isso é essencial percebermos onde ela tem falhado, quando a polarização aumenta, a capacidade de diálogo entre opositores diminui, e muitos sistemas políticos vão perdendo conexão com os cidadãos.

Os principais dilemas, para Ansell, resultam de um egoísmo crescente e de uma gestão descuidada das expetativas, sobretudo quando falamos de democracias. Queremos que estas reflitam a vontade do povo e tenham menos disparidades na distribuição da riqueza. Desejamos mais segurança pessoal e uma economia que crie prosperidade sem colocar em risco o planeta. Oscilamos entre o imperativo altruísta e a ditadura do individualismo. Estamos, diz o autor, encurralados numa série de armadilhas para as quais não temos soluções, perpetuando círculos viciosos. Como sair delas, então?

Por um lado, travar a ideia de que a substituição da política por uma tecnocracia libertária, habitualmente persecutória daquela, é a receita para os problemas. O autor acha que não existe alternativa à política feita por políticos. Por outro, reforçar instituições reformadas nos seus métodos e objetivos, continua a ser a melhor forma de formalizarmos a discordância que existe, naturalmente, nas nossas sociedades. A forma como articularemos estas duas dimensões resultará na sustentabilidade das nossas democracias, minimizando os atritos populistas, diminuindo o fosso polarizador, e acertando em políticas públicas melhoradas e legitimadas.

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AUTORES

Bernardo Pires de Lima

Bernardo Pires de Lima

Investigador - IPRI Universidade Nova

Bernardo Pires de Lima (Lisboa, 1979) é atualmente Conselheiro Político do Presidente da República Portuguesa. Além disso, é Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, analista de política internacional do Diário de Notícias, da RTP e da Antena 1, e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Foi Investigador do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, e do Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. É autor de oito livros sobre política internacional contemporânea, sendo o mais recente Portugal na Era dos Homens Fortes: Democracia e Autoritarismo em Tempos de Covid (Tinta-da-China), publicado em Setembro de 2020.