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Leituras N.24

Agathe Demarais, Backfire: How Sanctions Reshape the World Against US Interests, Nova Iorque: Columbia University Press, 2022, 304 páginas.

As sanções económicas tornaram-se numa das ferramentas mais usadas na política externa dos Estados Unidos. Medidas coercivas como tarifas comerciais, penalidades financeiras e controlos às exportações afetam um grande número de indivíduos, empresas e Estados por todo o mundo. Algumas dessas sanções têm como alvos atores não-estatais, como cartéis de drogas e grupos terroristas, outras dirigem-se a Estados, como a Coreia do Norte, o Irão e a Rússia. Washington olha para as sanções como um instrumento de baixo custo, mesmo que muitas vezes não consiga atingir os objetivos pretendidos e até produza efeitos colaterais que prejudicam os seus interesses. 
Agathe Demarais, diretora da Economist Intelligence Unit e antiga conselheira do Tesouro francês, explora os efeitos das sanções em empresas multinacionais, governos e cidadãos, com base em entrevistas a especialistas, decisores e consumidores em países sancionados, abordando ainda as formas de contornar as penalidades dos EUA. Mas esta é apenas uma parte da história. As sanções também alteram as relações entre países, empurrando os governos que estão em desacordo com os EUA para mais próximos uns dos outros, ou cada vez mais da Rússia e da China. Com exemplos que vão dos mercados de commodities na Rússia até à resposta à COVID no Irão, passando pelas ambições no setor da criptomoeda na China, Backfire expõe as transformações provocadas pelos vários regimes de sanções na geopolítica e a economia globais. Mas, igualmente, os seus limites operacionais e temporais, expostos aliás na circunscrição de efeitos que causam sobre alterações em regimes onde são aplicadas. Ou seja, sem um arco de instrumentos paralelos — políticos, militares e diplomáticos — as sanções são factualmente mecanismos limitados e até, nalguns casos, contraproducentes.  

Jessica Barnes, Staple Security: Bread and Wheat in Egypt, Durham: Duke University Press, 2022, 320 páginas.

Num tempo em que os cereais regressaram ao centro da geopolítica e dos conflitos, nada melhor do que olharmos para o papel que o pão e o trigo desempenham na vida diária do Egito, o seu maior importador mundial, embora essas compras representem menos de metade do consumo nacional. Jessica Barnes, professora de Geografia na Universidade da Carolina do Sul e também autora de outro livro importante sobre o cruzamento entre a política e a água no Egito, Cultivating the Nile, estuda com detalhe a natureza estrutural que o pão tem na subsistência dos egípcios e na relação que mantêm com os seus governos, que o subsidia em grande escala para manter os preços baixos e o consumo racionado.

Mas, como Barnes também observa, a maior parte do trigo cultivado no Egito nunca chega ao mercado, constituindo, em vez disso, parte da mistura de culturas de subsistência plantadas anualmente pelos agricultores para as suas próprias famílias. O governo é o único comprador legal de trigo doméstico, complementando-o com importações controladas centralmente, distribuindo depois o grão para moinhos que fornecem farinha a milhões de padarias privadas. A dependência contínua dos agricultores egípcios da agricultura de subsistência é bastante impressionante num país que há muito produz algodão e outros produtos agrícolas para os mercados globais. Por outras palavras, a preocupação constante do governo sobre a estabilidade implica privar o mercado de alterar esse cálculo.

Vale a pena percebermos como os hábitos alimentares, a economia de subsistência e a relação que o Estado estabelece com os consumidores no Egito tem tanto impacto na sua estabilidade social e política (e alargá-la a outros países com semelhante perfil), mas também como as disrupções que o comércio de cereais, a inflação dos bens alimentares e a geopolítica do trigo podem conduzir, de forma súbita e descontrolada, a tensões e conflitos internos. Até por isto se percebe que a guerra na Ucrânia tem um caráter que extravasa o continente europeu.

Michael J. Green, Line of Advantage: Japan’s Grand Strategy in the Era of Abe Shinzo, Nova Iorque: Columbia University Press, 2022, 328 páginas.

Michael J. Green é professor de estudos asiáticos na universidade de Georgetown e um dos académicos que melhor conhece a política externa japonesa. No seu mais recente livro, argumenta que Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão de 2006 a 2007 e de 2012 a 2020, reorientou a estratégia de Tóquio de uma maneira que persistirá, apesar de seu trágico assassinato em julho de 2022. Proativo em vez de reativo, desenhou a ideia de um “Indo-Pacífico livre e aberto” influenciando o próprio pensamento americano, na sua aposta regional. Fortaleceu ainda a cooperação militar entre os dois aliados, consolidou a quase-aliança da Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos (Quad), e ressuscitou o pacto comercial transpacífico abandonado por Washington durante o mandato de Donald Trump.

Todas estas iniciativas reforçaram uma abordagem que garantiria o acesso do Japão aos mares circundantes com base no estado de direito e no livre-trânsito comercial. Quanto ao equilíbrio interno, Abe bateu-se pelo aumento do orçamento de defesa e implementou a primeira proposta de segurança nacional na história do pós-guerra do Japão. Toda esta reorientação estratégica resulta de duas preocupações, interligadas: a ascensão política, militar e comercial da China e a ameaça nuclear da Coreia do Norte.

Apesar do seu fracasso em superar divergência históricas com a Coreia do Sul, o Japão soube desenhar, nos mandatos de Abe, uma grande estratégia nacional, articulada no quadro de alianças com outras democracias, com instrumentos definidos e objetivos bem expressos, acomodando-a à ideia central de evitar a existência de uma potência hegemónica revisionista no Indo-Pacífico. Todos os sinais apontam para a continuidade desta estratégia, o que torna Line of Advantage numa reflexão imprescindível para a compreendermos.

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AUTORES

Bernardo Pires de Lima

Bernardo Pires de Lima

Investigador - IPRI Universidade Nova

Bernardo Pires de Lima (Lisboa, 1979) é atualmente Conselheiro Político do Presidente da República Portuguesa. Além disso, é Investigador Associado do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, analista de política internacional do Diário de Notícias, da RTP e da Antena 1, e presidente do Conselho de Curadores da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD). Foi Investigador do Center for Transatlantic Relations da Universidade Johns Hopkins, em Washington DC, e do Instituto da Defesa Nacional, em Lisboa. É autor de oito livros sobre política internacional contemporânea, sendo o mais recente Portugal na Era dos Homens Fortes: Democracia e Autoritarismo em Tempos de Covid (Tinta-da-China), publicado em Setembro de 2020.