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Em conversa com Steve Jackson

A FULLCOVER falou com Steve Jackson, Chief Commercial Officer da XS Global sobre a sua longa carreira na indústria seguradora e resseguradora e a sua decisão de se mudar para Miami e se juntar ao Rainmaker Group; e ainda sobre a criação da XS Global, a MGA do grupo. Steve dá-nos uma visão global do mercado MGA e dos principais fatores que distinguem a XS Global. Além disso, partilha a sua visão do futuro nesta época volátil e cheia de desafios que vivemos.

Pode começar por nos falar do início da sua carreira?

Comecei a minha carreira em 1983, aos 18 anos de idade. Acabava de sair da escola e tinha decidido que queria trabalhar, estudar mais é que não! Mas os meus planos foram alterados quando a firma onde entrei, a Cooper Gay and Co., insistiu para que eu completasse a acreditação em seguros ACII, mesmo trabalhando a tempo inteiro! Completei essa formação ao fim de 3 anos e foi uma boa decisão, já que me deu uma base de conhecimento ótima para o que viria a seguir.

 

A sua carreira tem sido rica e variada. Pode falar-nos das empresas onde trabalhou e cargos que desempenhou?


A minha carreira estende-se por 38 anos, mas este é apenas o meu segundo emprego. Trabalhei com a Cooper Gay, que se tornou CGSC, durante 33 anos. 29 desses anos foram em corretagem no mercado de Londres e no Lloyd’s. Tive a  sorte de fazer parte de uma organização muito dinâmica e ambiciosa e aprendi muito nessa fase com os colegas, outros corretores, subscritores e clientes. Como falo espanhol, e passei a minha juventude em vários países da América Latina, senti-me atraído pelo mercado latino-americano e participei intensamente na criação e implementação do que, na altura, era uma rede importante de corretores que veio a tornar-se parte do grupo CGSC. O meu trabalho deu-me o privilégio de viajar frequentemente e conhecer muitas pessoas e culturas diferentes.

 

Como surgiu a mudança para Miami e a XS Global?


O meu papel como CEO da CGSC Latam na altura levou à mudança para Miami. O mercado de Miami tinha-se tornado rapidamente um centro de negócios em expansão para aquela área, à semelhança do que Singapura é na Ásia e o Dubai nos mercados do Médio Oriente. O centro de Miami serve não só a América Latina como também as Caraíbas. Hoje, todas as grandes corretoras têm escritórios de corretagem aqui e muitas das seguradoras e resseguradoras mundiais interessadas nesta região tem representação no país. Costumo dizer que a avenida Brickell se tornou algo como a Lime Street em Londres, a casa do Lloyd’s.

Após 4 anos com a CGSC em Miami, decidi que chegara o momento de mudar. Um bom amigo, que na altura era um cliente importante, o Gabriel Holschneider, fundador e CEO do grupo Rainmaker e eu discutimos a ideia de eu me juntar ao grupo Rainmaker para experimentar o negócio das cativas. Sempre senti fascínio por todos os tipos de mecanismo de auto-seguro e tinha experiência prévia com o desenvolvimento, estrutura e colocação de programas de resseguro para estas entidades, por isso a decisão foi fácil, apesar dos muitos anos e lealdade para com a CGSC.

Por isso foi tão importante para mim sair “a bem” do grupo CGSC, que se tinha tornado mais do que um local de trabalho, como que uma família para mim. Mesmo que essa família tivesse já crescido muito quando saí!

Embora me entusiasmasse a entrada no mundo da criação e gestão de cativas, percebi rapidamente que me faziam falta os negócios no dia-a-dia e o movimento do mercado global de seguro facultativo que tinha sido o meu mundo durante tanto tempo.

O grupo Rainmaker tinha a sua própria plataforma de resseguro e adquirira uma pequena MGA de Miami que antes fora coverholder Lloyd’s. A partir daí o nosso grupo criou o que agora é a XS Global e mais uma vez voltei ao meu papel de negociar seguros.

A XS Global é uma MGA, um tipo de organização que nem toda a gente conhece, mesmo no setor segurador. Pode explicar o que é uma MGA, bem como os diferentes tipos de MGA no mercado e ainda a sua história?


Historicamente, as MGA surgiram quando as seguradoras do leste dos Estados Unidos em fins do séc. XIX e princípios do XX, sobretudo na cidade de Nova Iorque, pretendiam expandir os seus mercados chegando à costa oeste mas não tinham recursos para abrir um escritório regional ou local. As MGA (Managing General Agents) satisfizeram essa necessidade disponibilizando subscrição local de riscos e gestão de apólices e sinistros. Podemos chamar muitas coisas às MGA: MGA, MGU, coverholders, subscritores com poderes delegados, mas essencialmente todos fazem mais ou menos a mesma coisa, na medida em que são uma plataforma de subscrição em outsourcing. Há muitos tipos diferentes de MGA incluindo as que pertencem a seguradoras/resseguradoras ou a corretores, e ainda as independentes como a XS Global. Muitas são subscritoras altamente especializadas numa única linha de negócio, talvez concentradas numa região específica. Outras lidam com várias linhas de negócio. Muitas subscrevem apenas por conta de uma seguradora/resseguradora,  seja com autoridade plenamente delegada para a subscrição de classes específicas de risco ou com base de aceitação prévia. As MGA podem subscrever seguros ou resseguros dependendo do tipo de negócio a que querem aceder e da adequação da licença de exploração do seu prestador de capacidade bem como da experiência do subscritor.

Talvez a entidade que mais delega capacidade (às vezes chamamos a isso “oferecer a caneta”) seja o Lloyd’s de Londres. O Lloyd’s tem atualmente cerca de 4000 coverholders (MGA nas quais delega capacidade) seja como sindicatos individuais ou conjunto de sindicatos. Ao contrato que concretiza a subscrição subcontratada a um terceiro chamamos cotação firme (binder). Há toda uma indústria que apoia a esfera das MGA incluindo corretores, subscritores, e serviços de administração especializados nestes contratos, bem como associações. As maiores e mais conhecidas são a MGAA (RU) e a AAMGA (EUA).

 

2.    Pode dar-nos um panorama geral do volume de negócio das MGA atual, incluindo a quota de mercado e os prémio subscritos? Quais são as maiores MGA do mundo?

Hoje, 30% do volume de negócios do Lloyd’s é acedido via coverholders. Isso representa cerca de 15 mil milhões em USD por ano! Desse total, cerca de 27% do volume de negócios no Reino Unido vem de coverholders: 40% na América do Norte e 45% na Austrália. 

Há cerca de 3900 coverholders globalmente, 1600 dos quais no Reino Unido. Mesmo que o consideremos um mercado maduro, ainda há quem o veja como uma área em crescimento, que o Lloyd’s apoia ativamente por meio de iniciativas de aproximação entre participantes no mercado nas quais se juntam corretores e seguradoras/resseguradoras.

A geração futura de MGA que sabem usar a tecnologia e privilegiam os meios digitais já entraram em força no mercado, trazendo consigo a inovação apoiada por capitais de risco. Alguns peritos chamam a esta novo conjuntode MGA a insurtech 2.0. As MGA estão a ganhar aceitação em todo o ecossistema de distribuição de seguros e atraem frequentemente os melhores subscritores.

Para sublinhar ainda mais a relevância e importância do modelo MGA olhemos para o momento em que a Fidelis Insurance Holdings Ltd. anunciou recentemente a sua intenção de criar um novo subscritor MGA que, mediante aprovação do regulador, será separado das seguradoras no seu balancete. A nova estrutura permitirá a cada entidade (Fidelis MGU e Fidelis Balance Sheet Companies) concentrar-se nas suas funções e expertise e fornecer a clientes, corretores e outros stakeholders níveis continuados dos serviços mais sofisticados na indústria.

A recém-criada Fidelis MGU/MGA será uma das maiores agências de subscrição a nível global. Pretende subscrever mais de 3 mil milhões de dólares em prémios brutos subscritos em várias classes especializadas de seguro e resseguro. Onde o Richard Brindle, fundador e CEO da Fidelis abre caminho, muitos outros se lhe seguem.

O mercado global das MGA continua a ultrapassar em rapidez de crescimento o mercado tradicional, tendo crescido 7% anualmente desde 2012 e ainda a uma maior velocidade nos últimos tempos.

Os dois mercados mais desenvolvidos para as MGA são os Estados Unidos e o Reino Unido. Nos EUA, entre as maiores 100 seguradoras P&C, 43%, incluindo 7 do top 10, têm pelo menos uma relação MGA.

Estima-se que existam 600 a 900 MGA ativas no mercado dos EUA que lidam com 50 a 60 mil milhões de dólares de prémios, ou cerca de 7% dos mercados totais de seguro individual e de empresas. No mercado do RU, existem cerca de 300 MGA que correspondem a 10% deste mercado de 47 mil milhões.

O Lloyd’s tem sido historicamente e em termos globais, uma das maiores entidades que fornece capacidade às MGA e, hoje, tem cerca de 3900 coverholders inscritos. Cerca de 30% do volume de negócio do Lloyd’s vem da sua rede MGA.

Muitos resseguradores hoje vêem as MGA como uma forma eficiente de se aproximarem do consumidor final. A Munich Re e a Berkshire Hathaway são os grandes players nesta área e recentemente surgiram muitas  companhias de fronting com este objetivo.

Muitas das maiores MGA do mundo são detidas por corretores, incluindo:

  • Risk Placement Services (RPS), fundada pela Gallagher.  Gross Written Premium Income - 5.5 mil milhões USD
  • Dual, propriedade do Howden Group.  Gross Written Premium Income - 3.6 mil milhões USD
  • Victor Insurance Services, propriedade da Marsh.  Gross Written Premium Income - 3 mil milhões USD
  • AMRISC (propriedade da McGriff’s e CRC Swett).  Gross Written Premium Income - 2.2 mil milhões USD

Fale-nos da XS Global, da sua dimensão e do seu modelo diferenciado.


A XS Global é uma MGA como tantas outras, mas há alguns diferenciadores essenciais e marcantes, como por exemplo:

  • Somos uma MGA multi-linha. Atualmente subscrevemos acidentes pessoais, património, energia, aviação, Finpro, Engenharia, soluções alternativas de transferência de risco (sobretudo seguros paramétricos) de base facultativa e várias linhas All-risks.
  • Temos capacidade de suportar risco e assim alinharmo-nos mais solidamente com os nossos seguradores ou resseguradores. O nosso ressegurador é a Eureka Re, domiciliado, licenciado e regulado nas Barbados. Tendo começado pouco a pouco, hoje subscrevemos cerca de 60 milhões em prémios e obtivemos uma notação BBB+ da AM Best com perspetiva positiva.
  • Subscrevemos certas linhas “diretamente” e outras remetemos para wholesalers.
  • Podemos subscrever algumas linhas globalmente, como os seguros patrimoniais, a energia e CPE.
  • Trabalhamos com vários seguradores e resseguradores, não nos limitamos a um. De momento temos o Everest Re, Patria, Liberty Intl, consórcios TMK e Apollo no Lloyd’s e ainda outros nos nossos painéis.
  • Embora nos concentremos na América Latina , com capital e liderança privada, estamos a desenvolver uma pegada global, com escritórios no Chile, Argentina, Dubai, Londres, Barbados, México e Miami.
  • Apesar de sermos uma empresa de capital fechado, atuamos como se fôssemos cotados em bolsa. O nosso CEO, Jorge Luis Cazar, foi Diretor Regional Latam na Ace Chubb. O nosso CFO também veio da Ace Chubb.

As MGA não costumam aceitar risco, mas vocês têm uma plataforma interna de resseguro. Pode dar-nos mais pormenores?

Como já foi dito, o nosso grupo tem a vantagem de ter capacidade interna. O nome do nosso ressegurador é Eureka Re e foi fundado em 2009. Tem uma licença de tipo II para empresas terceiras concedida pela Comissão de Serviços Financeiros de Barbados. Apesar da reduzida dimensão inicial, cresceu rapidamente nos últimos 5 anos. Hoje, tem uma notação BBB+ da AM Best e subscreve cerca de 70 milhões USD em prémios anualmente. A Eureka Re delega todas as suas atividades de subscrição na XS Global em todas as linhas por que tem apetite, capacidade e licença de subscrição. A nossa ideia para a Eureka Re é continuar a desenvolvê-la com o objetivo de obter uma notação A (esperamos que ainda em 2023). A Eureka Re continuará a crescer e a ganhar força, mas não para competir com os nossos seguradores /resseguradores. Será para continuar a demonstrar um verdadeiro alinhamento de interesses, em cada decisão de subscrição que tomemos em nome deles.

Esteve envolvido na Brokerslink quase desde o início. Pode falar-nos da sua relação tanto com a Brokerslink como com a MDS?

Embora o nosso grupo tenha tido o privilégio de fazer negócio com os maiores grupos de corretagem do mundo, nós, mais do que a maioria, apoiamos totalmente a necessidade de escolha, tanto para os consumidores finais como para o mercado global de seguro e resseguro. Não basta existirem apenas 2 ou 3 empresas, por muito que isso lhes agradasse! Queremos que o corretor independente não só sobreviva como se desenvolva, e a BL tem feito um enorme trabalho nesse sentido. Sei que esta “comunidade” persistirá de vitória em vitória. Tendo participado, com muito orgulho, na BL desde os primeiros dias e tido a oportunidade de fazer parte do seu conselho de administração, apresentando ainda vários membros, é fantástico ver a sua presença a crescer e tornar-se o que é hoje. Sentirei sempre uma grande afinidade por este grupo e é bom contar com vários dos seus membros não só como colegas mas também como amigos.

 

À luz dos desafios atuais (pós-pandemia, guerra na Ucrânia, alterações climáticas) como vê o futuro do setor segurador?


Tudo o que acontece no mundo hoje releva o mundo de risco em que vivemos. O meu lema, neste negócio, é “esperar o inesperado”. Foi para isso que se inventou os seguros e estes continuam a existir. Em minha opinião o seu futuro está assegurado. A necessidade do seguro é cada vez mais evidente. Agora temos uma dinâmica curiosa no nosso mercado que impulsiona o ciclo atual de mercado desfavorável, com a procura a subir em flecha (mundo mais arriscado, inflação que faz subir os preços, aquecimento global, etc.) e a oferta a cair. Há muito tempo que o capital total do mercado de resseguro diminuiu e os corretores têm sentido que certas classes, como o risco catastrófico, são demasiadamente voláteis para se aceitar. Os próximos dois anos vão certamente ser interessantes.

Tem algum passatempo? Como gosta de passar o seu tempo livre?


O tempo livre ultimamente é um artigo de luxo, especialmente com uma vida familiar e profissional preenchida mas, quanto tenho tempo, gosto de me manter ativo. Ando de bicicleta (tenho uma para cada ocasião, incluindo uma de montanha, mesmo que não haja montanhas na Florida!). Também jogo ténis e golfe e aproveito ao máximo, enquanto aqui estou, as águas tépidas de Miami participando em vários desportos aquáticos, incluindo a minha última paixão que é o fliteboarding.

 

Steve Jackson é Chief Commercial Officer da XS Global. Com mais de 38 anos de experiência na indústria global de seguro e resseguro, e fluente em espanhol, a experiência de Steve concentra-se nos mercados latino-americanos. Desempenhou um papel essencial numa das principais redes de corretagem de resseguro na região. Steve trabalha sobretudo nas áreas de património, energia e acidentes pessoais. Construiu a sua reputação de especialistano desenvolvimento, estruturação, colocação e subscrição de programas complexos de resseguro facultativo para clientes empresariais, especialmente envolvendo cativas.

Steve é também cofundador da XS Global e XS Latam, uma MGA com sede em Miami e escritórios no México, Chile, Argentina, Londres, Dubai e Barbados. No seu papel de Chief Commercial Officer Steve faz parte da equipa de subscrição de seguros patrimoniais e de energia.

Jorge Luis Cazar, CEO da XS Global,  partilha com a FULLCOVER a sua experiência e abordagem à liderança, que foram indispensáveis no processo de construção da empresa.

 

"Entrar na XS Global tem sido um desafio estimulante tanto pela componente de gestão como pela intelectual: desenvolver um negócio exige aptidões específicas para cada aspeto das operações. Também exige que os líderes não só mostrem o caminho como façam as coisas acontecer. 

A estratégia sem uma forte vontade de execução não significa nada. Os líderes que sabem sonhar mas não cumprem, rapidamente se transformam em pregadores. A liberdade sem controlo numa empresa leva sempre ao desastre.

No meu tempo na Chubb, tive a sorte de fazer parte de uma equipa fantástica que desenvolveu um negócio a partir do zero. Assimilei uma cultura em que o nível de responsabilidade, trabalho de equipa, respeito pela diversidade e o equilíbrio entre a visão de futuro e os resultados imediatos me expuseram a situações que exigiam atenção ao pormenor, aplicação de lições aprendidas, gestão de executivos de sucesso e uma variedade de pontos de vista em todos os aspetos da indústria seguradora.

Todas essas experiências têm dado frutos no processo de construção da XS Global. Construir exige uma certa atitude, mas também recursos e expertise. A reputação criada no desenvolvimento da nossa carreira ajuda-nos a ser credíveis quando, como líderes experientes,  atraímos o melhor talento. Felizmente, ajudar uma empresa a crescer e a melhorar é a parte do trabalho que mais me agrada. Essa é a essência. O resto é apenas perfume. Mas acabaremos por chegar lá."

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