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Cidades sustentáveis e inteligentes

a importância de conhecer, envolver e escalar

Estima-se que em 2050 a população mundial em centros urbanos atinja os 6 mil milhões, o que poderá potencialmente implicar, entre outros aspetos, o aumento do consumo de recursos e da produção de emissões

Do ponto de vista da energia e de acordo com a União Europeia, as cidades consomem mais de 65% da energia mundial e contribuem com mais de 70% para as emissões globais de CO2. As cidades são incontornáveis nas estratégias para a mitigação e adaptação às alterações climáticas, pelos desafios ambientais, sociais e económicos que enfrentam e pelo seu potencial para se tornarem mais sustentáveis, proporcionarem melhor qualidade de vida aos seus cidadãos e contribuírem para diversos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A aposta em projetos que promovam e acelerem a implementação de medidas para tornar as cidades mais sustentáveis, inteligentes e melhor preparadas para as alterações climáticas é, assim, crucial, sobretudo nesta época de transição em que se vive. Destaco neste artigo três aspetos que considero essenciais no desenvolvimento deste tipo de projetos e que nem sempre são valorizados ou assegurados de forma adequada: a importância de uma abordagem holística e sistémica, o conhecimento real das regiões e cidades e o envolvimento dos cidadãos.

Sendo os desafios que as cidades enfrentam transversais às dimensões ambiental, social e económica e a diferentes áreas de conhecimento dentro de cada uma destas dimensões como por exemplo, e no que respeita à dimensão ambiental, a mobilidade sustentável, o capital natural, a economia circular, a eficiência energética dos edifícios, a eficiência hídrica, a economia de baixo carbono e a tecnologia digital, a sua resolução beneficiará da adoção de uma visão holística complementada por uma análise sistémica. Tome-se como exemplo a área da construção sustentável que, de forma não exaustiva, integra áreas como a própria construção civil, a arquitetura, a engenharia civil, o ordenamento do território, o uso de tecnologia digital como o BIM (Building Information Modeling) e o Digital Twins, a eficiência energética e hídrica, a economia circular e as emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE), a que acresce a criação de condições para a disponibilização de habitação digna e a preços comportáveis para a população residente nessas cidades. O contributo de todas as áreas e a análise das respetivas inter-relações permitirá um melhor conhecimento da realidade mas, também, obter resultados que gerem benefícios duradouros e de longo prazo.

Outro aspeto intrinsecamente ligado à referida abordagem é a necessidade de se garantir o conhecimento das reais necessidades das regiões, das suas cidades e da população que nelas habita. O desenvolvimento de planos e projetos deve assegurar os recursos necessários (humanos e de calendário) para um contacto próximo com a realidade no terreno, através da realização de visitas, contacto com a comunidade local para identificar as principais expectativas e preocupações, conhecer projetos relevantes desenvolvidos nessa região e os seus resultados, de modo a avaliar o potencial de continuidade. Este conhecimento é essencial para o sucesso da escalabilidade de medidas e resultados de projetos-piloto de cidades inteligentes, que deve acautelar as necessárias adaptações às especificidades de cada região e cidade, sobretudo quando se transfere experiências de centros urbanos mais desenvolvidos e complexos para cidades de menor dimensão inseridas em regiões com menor densidade populacional.

O envolvimento da população é transversal a tudo isto e é um aspeto-chave para o sucesso de qualquer projeto de cidade sustentável e inteligente. Se a comunidade local não é adequadamente envolvida desde o início, as melhores medidas e projetos poderão não gerar os resultados esperados. Também neste caso, o tipo de envolvimento deve ser adaptado à cultura e características dos habitantes e à cidade em si, pelo que o já referido conhecimento no terreno é essencial. Participar, conhecer e entender os projetos e medidas e as razões para a sua implementação são aspetos essenciais neste envolvimento.

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AUTORES

Ana Salgueiro

Ana Salgueiro

- Ana Salgueiro – Consulting for Sustainability

É licenciada e doutorada em Engenharia do Ambiente pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Conta com mais de 20 anos de experiência na área de consultoria em Engenharia do Ambiente. Entre 2001 e 2006 integrou o departamento de licenciamento ambiental da Agência Portuguesa do Ambiente. De 2006 a 2011 dirigiu a área do risco e responsabilidade ambiental na empresa de consultoria E.Value, SA. Em 2012 fundou a empresa Ana Salgueiro ‑ Consulting for Sustainability, dedicada à consultoria em sustentabilidade e ambiente para organizações de diferentes setores de atividade. Atualmente é consultora do Fundo Ambiental e da Secretaria Geral do Ministério do Ambiente e da Ação Climática no âmbito de projetos de mitigação das alterações climáticas, descarbonização e smart cities. Tem desenvolvido a atividade de docência como professora convidada em diferentes instituições, nomeadamente na Universidade Aberta, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Universidade do Algarve.